Sobre artigo19

A ARTIGO 19 é uma organização não-governamental de direitos humanos nascida em 1987, em Londres, com a missão de defender e promover o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo. Seu nome tem origem no 19º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Casos

Havia grande expectativa e apreensão com relação ao papel que a desinformação teria nas eleições brasileiras. Antes do primeiro turno, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, chegou a afirmar que uma candidatura poderia ser anulada caso fosse comprovado que ela se baseou “preponderantemente em fake news”. Na ocasião ele mencionou o artigo 222 do Código Eleitoral, que afirma que é “anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei”. O artigo 237 mencionado se refere a “interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto”. Além desses, outros mecanismos legais de combate à desinformação foram inseridos nas normas eleitorais no período que precedeu as eleições.

As declarações e a possibilidade de abusos na aplicação dessas normas geraram apreensão em um contexto marcado por instabilidade política. Durante as eleições, porém, ficou evidente que as medidas adotadas no período pré-eleitoral não foram suficientes para impedir que a desinformação permeasse as campanhas em 2018, principalmente nos meios digitais. Segundo Laura Chinchilla, chefe da missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) que acompanhou o processo eleitoral, o uso do aplicativo de mensagens WhatsApp para a disseminação de notícias falsas no Brasil foi um fenômeno sem precedentes no mundo. A Missão de Observação Eleitoral da OEA foi integrada por 41 especialistas e observadores de 18 nacionalidades, além de seis pessoas que acompanharam as eleições do exterior, e acompanhou o primeiro e o segundo turno das eleições no Brasil pela primeira vez a convite do presidente Michel Temer.

Ainda falando sobre o uso do WhatsApp, Chinchilla ressaltou as complexidades de se investigar uma rede de comunicação primordialmente privada – em oposição a plataformas como Facebook e Twitter – e pontuou que há mais confiança nesse espaço, porque as informações são compartilhadas por pessoas próximas. De fato, uma pesquisa divulgada antes do segundo turno para a presidência mostrou que a correção de informações inverídicas, mesmo quando feita por meios de comunicação tradicionais, teve pouco efeito sobre a crença em “fake news” durante as eleições por parte dos eleitores.

Segundo a OEA, a disseminação de desinformação se intensificou no segundo turno. Ainda assim, houve uma avaliação positiva a atuação dos diversos setores em reação a esse cenário. O TSE registrou 50 ações denunciando a difusão de notícias falsas durante as eleições, mas as implicações da desinformação vão muito além das solicitações de retirada de conteúdos. Pode ser ressaltada a participação de agentes públicos na difusão de informações falsas, solicitações de censura prévia e situações de incitação ao ódio e à violência.

Casos2019-01-29T20:29:47-02:00

Responsabilidade dos agentes públicos em relação à propagação da desinformação

No dia do primeiro turno das eleições, 7 de outubro de 2018, começou a circular nas redes sociais e aplicativos de mensagens um vídeo que mostrava a urna eletrônica auto-completando o voto para presidência com o número do candidato Fernando Haddad. Segundo o vídeo, ao digitar o número “1” para presidente, a urna completava automaticamente com o número “13”, correspondente ao candidato do Partido dos Trabalhadores (PT).

O vídeo foi publicado por Flávio Bolsonaro, eleito senador pelo Rio de Janeiro, em seu perfil no Twitter e foi posteriormente desmentido por um perito do TSE. O Tribunal recomendava aos eleitores desconfiar de linguagem alarmante e na dúvida não compartilhar.

Em sua publicação inicial, reproduzida em matéria da revista VEJA, o candidato dava como verdadeiro o vídeo sem qualquer questionamento ou pedido de maiores investigações, contribuindo com a difusão da desinformação. Após a nota oficial do TSE sobre o caso, Bolsonaro retirou o vídeo e agradeceu o tribunal pela resposta.

No mesmo dia, em meio a uma série de informações sobre fraudes que circulavam nas redes, o deputado federal e candidato à reeleição Eduardo Bolsonaro orientou os eleitores a filmarem e compartilharem ao vivo seus votos para denunciar problemas com as urnas – dialogando com o pedido de seu irmão para que as pessoas indicassem o local onde supostamente teria ocorrido o auto-completar. O registro do voto é considerado um crime eleitoral, pois permitiria a prestação de contas de pessoas sobre sua decisão e colocaria em risco o sigilo. A lógica é a de proteger o eleitor da compra de votos ou outras práticas de intimidação. O candidato prosseguiu durante o dia criticando a imprensa que desmentia as informações compartilhadas nas redes e acusando-a de disseminar “fake news”.

Após o resultado do primeiro turno, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro – pai de Flávio e Eduardo – voltou a insinuar a existência de fraudes nas urnas e disse que se não houvesse problemas ele teria saído vitorioso sem necessidade de segundo turno para a presidência. As declarações ignoravam as evidências do TSE sobre a falsidade das informações e não faziam nenhum alerta ao público sobre o tema.

Ainda que não houvesse menção direta de um ao outro, a atuação dos três membros da família Bolsonaro parece ter sido coordenada e contribuiu para um cenário de insegurança com relação à validade do resultado das eleições num momento de instabilidade política no país. Durante sua campanha, Bolsonaro pai declarou que não aceitaria resultado diferente da sua eleição e insinuou a possibilidade de fraude nas urnas em favor do PT

Responsabilidade dos agentes públicos em relação à propagação da desinformação2019-01-29T20:42:00-02:00

A liberdade de expressão pode ser restrita quando houver previsão legal que atenda a um interesse reconhecido na legislação internacional e as medidas sejam necessárias e proporcionais à proteção desse interesse

A legislação eleitoral brasileira traz uma série de limitações relativas à propaganda eleitoral nos meios de comunicação tradicionais e na Internet e prevê a retirada de conteúdos considerados irregulares e a garantia do direito de resposta quando da divulgação de informações caluniosas, difamatórias, injuriosas ou sabidamente inverídicas. As medidas podem ser entendidas como restrições legítimas à liberdade de expressão de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos, uma vez que visam evitar abusos que resultem na manipulação da opinião pública durante as eleições. Além disso, há, por exemplo na Resolução nº 23.551/2017, critérios que buscam o equilíbrio e proporcionalidade das decisões, como a necessidade de indicação da URL específica do conteúdo questionado, a expiração de decisões de remoção baseadas em decisões da Justiça Eleitoral após o período das eleições, entre outros. Ao estarem previstas em lei e detalhadas em outras normas, elas atendem aos requisitos dos padrões internacionais.

Segundo informações do TSE, foram protocoladas 50 ações durante as eleições denunciando a difusão de notícias falsas, das quais 48 foram respondidas pelo Tribunal. As ações representaram 12% do total de demandas sobre conteúdos submetidas no período. Do total, 16 foram total ou parcialmente atendidas.

Um dos casos foi referente ao uso da expressão “kit gay” durante o segundo turno das eleições e a vinculação de um livro que nunca foi adotado pelo Ministério de Educação sob gestão do candidato Fernando Haddad ao projeto “Escola sem Homofobia” ou programas de livro didático. Na ocasião foi determinada a retirada de seis vídeos sobre o assunto do ar. Também houve suspensão de uma propaganda televisiva de Haddad que acusava Bolsonaro de votar contra a Lei Brasileira de Inclusão, o que seria um fato sabidamente inverídico, como destacou na ocasião o ministro Sérgio Banhos.

Ainda assim, quando se tratou da retirada de notícias falsas, a primeira aplicação da Resolução nº 23.551/2017 já evidenciou as dificuldades que esse tipo de norma traz para o Judiciário. A decisão, em favor da remoção do Facebook de cinco publicações que denunciavam o envolvimento da candidata Marina Silva em atos de corrupção, ocorreu no dia 7 de junho, antes do início da campanha eleitoral.

A decisão foi defendida por alguns advogados, mas gerou críticas por parte da imprensa uma vez que, apesar de terem títulos enganosos, as publicações afetadas pela decisão do TSE se baseavam em notícias verídicas, publicadas em diferentes meios de comunicação, que tratavam de possível associação de Marina com pagamentos feitos por empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato. A denúncia se baseava em declarações feitas durante as negociações de delação premiada do empreiteiro Leo Pinheiro que não ficaram provadas.

Os questionamentos à decisão apontavam a possibilidade do raciocínio de Banhos atingir reportagens investigativas ou outros tipos de produção jornalística legítimas. O caso também traz à tona as dificuldades de definição de “fake news” e as diversas formas em que a desinformação pode se manifestar.

A liberdade de expressão pode ser restrita quando houver previsão legal que atenda a um interesse reconhecido na legislação internacional e as medidas sejam necessárias e proporcionais à proteção desse interesse2019-01-29T20:42:38-02:00

A liberdade de expressão pode ser legitimamente restrita para combater discursos de incitação à violência, ao ódio e hostilidades

Desde o ataque ao então candidato à presidência Jair Bolsonaro, até o assassinato de Romualdo Rosário da Costa, conhecido como Mestre Moa do Katendê após o primeiro turno, o processo eleitoral foi marcado por uma escalada no ódio e na violência de motivação política. Levantamento realizado pela agência de notícias Pública em parceria com a organização Open Knowledge Brasil identificou ao menos 70 ataques realizados entre os dias 30 de setembro e 10 de outubro de 2018. Segundo a apuração, na maioria dos casos as agressões eram perpetradas por eleitores de Bolsonaro.

Foram registrados ainda casos de ameaças e agressões verbais, como o que envolveu o candidato a deputado estadual no Mato Grosso do Sul Elenilton Dutra, que – após perder as eleições – teria enviado mensagens ofensivas e ameaçadoras a seus cabos eleitorais. Outro caso preocupante foi a perseguição e ataques cibernéticos a mulheres envolvidas em um grupo crítico a Jair Bolsonaro no Facebook. Antes do primeiro turno das eleições, uma das administradoras do grupo teve sua conta na rede social e no aplicativo WhatsApp invadidas, o grupo teve seu nome alterado. Moderadoras e administradoras do grupo “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” receberam ameaças exigindo que o grupo fosse extinto ou seus dados pessoais seriam expostos. Em vários dos casos de ataques virtuais observou-se uma ação coordenada. Pesquisa revelou que certos ataques eram organizados em grupos do WhatsApp a partir da exposição de informações pessoais como número de telefone, e-mail ou perfil nas redes sociais.

Outra situação em que pode ser observada incitação ao ódio foi o lançamento do jogo “Bolsomito 2k18”, desenvolvido por uma empresa chamada BS Studios, dois dias antes do primeiro turno das eleições. O jogo tinha como protagonista o então candidato Jair Bolsonaro, que ganhava pontos ao matar mulheres, pessoas negras, homossexuais, eleitores do Partido dos Trabalhadores e membros de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) abriu inquérito para investigar seus criadores. Na ação, o promotor Frederico Meinberg Ceroy afirma que o jogo “possui clara intenção de prejudicar candidato à Presidência da República e com isso embaraçar as eleições 2018” e que “causa danos morais coletivos aos movimentos sociais, gays e feministas”.

A liberdade de expressão pode ser legitimamente restrita para combater discursos de incitação à violência, ao ódio e hostilidades2019-01-29T12:14:11-02:00

A censura prévia é incompatível com o direito à liberdade de expressão

No dia 29 de setembro, o servidor público João Bosco de Lima Siqueira publicou no Facebook o seguinte comentário sobre um dos candidatos a governador de Rondônia: “A compra de voto vai derrubar Expedito Júnior novamente”. Expedito Gonçalves Ferreira Júnior teve seu mandato como senador cassado em 2009 por compra de votos e abuso do poder econômico durante as eleições de 2006.

A publicação motivou representação por parte da coligação a qual o candidato fazia parte solicitando a remoção da publicação que feriria a honra de Expedito Gonçalves Ferreira Júnior e poderia prejudicar sua campanha eleitoral. A representação solicitava ainda que fosse imposta a Siqueira uma proibição de novamente veicular a postagem em questão, sob pena de pagamento de multa e cometimento de crime de desobediência.

A juíza Úrsula Gonçalves Theodoro de Faria Souza julgou procedente a ação e determinou a remoção do comentário em questão pelo Facebook, afirmando que o “conteúdo da postagem impugnada revela o intuito de ofender a honra do candidato e macular sua imagem, extrapolando, assim, os limites da liberdade de expressão, especialmente pelo potencial de causar-lhe prejuízo quanto à avaliação do eleitorado acerca de sua probidade”. Ela complementou alegando que a informação sobre compra de votos nas eleições de 2018 “não consta de qualquer veículo de informação idôneo”e que não havia até aquele momento “registro de que o candidato Expedito Júnior tenha incorrido na prática de compra de votos nas eleições em curso”.

Em suas decisões, a juíza não se manifestou sobre o pedido de penalização e multa a Siqueira caso voltasse a postar o conteúdo questionado, mas segundo dados do projeto Crtl+X da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em 26 casos os juízes concederam solicitações de censura prévia durante as eleições de 2018. Uma delas ocorreu em São Paulo, onde se acatou solicitação de que fosse proibida a divulgação de conteúdos ofendendo a honra do candidato Edmir José Abi Chedid, sob pena de multa. No caso, o juiz Afonso Celso da Silva determinou que impossibilitasse novos compartilhamentos de um vídeo considerado infringente da legislação eleitoral, sob pena de multa diária de R$10.000,00.

Na eleições, a Abraji registrou 134 tentativas de impor alguma forma de censura prévia. Grande parte das solicitações de retirada de conteúdos on-line se baseia na alegação de violação à honra que poderia ser entendida como propaganda eleitoral negativa vedada pela legislação. Em muitos casos, observa-se também um recurso ao art. 22, parágrafo 1o da Resolução nº 23.551/2017, que veda a divulgação de fatos “sabidamente inverídicos”.

A censura prévia é incompatível com o direito à liberdade de expressão2019-01-29T12:12:14-02:00

Flávia Lefèvre

As eleições no Brasil em 2018 para presidente da república, senadores e deputados federais transcorreram num clima inflamado, muito em função do uso abusivo de serviços oferecidos pelas plataformas que atuam na Internet; especialmente pelo uso do WhatsApp, com violação de diversos dispositivos da lei eleitoral, expondo milhões de consumidores a situação de extrema vulnerabilidade, pela distribuição de mensagens direcionadas para explorar sentimentos de medo e insegurança, com o objetivo de desqualificar candidatos, divulgando notícias falsas, que terminaram por influenciar a formação de opiniões e votos.

A responsabilidade pela violação à lei eleitoral não é só dos partidos, dos políticos e de apoiadores de determinadas candidaturas, mas é também de algumas plataformas que aceitaram desempenhar o papel de palco para os debates públicos eleitorais, sem adotar medidas suficientes para coibir o uso ilegal de suas aplicações.

Há na lei eleitoral ferramentas suficientes que poderiam ter impedido o uso ilegal das redes, que tiveram como efeitos o desequilíbrio do processo eleitoral e a desestabilização das instituições democráticas no Brasil, sem que as plataformas tenham adotado providências para que a lei fosse cumprida e, pior, sem que as autoridades competentes como o Ministério Público Eleitoral e o TSE tenham tomado medidas efetivas para evitar os danos.

Tudo isso se deu com base no uso ilegal dos nossos dados pessoais, contrariando o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor. Isto porque quando abrimos nossos dados no Facebook, que é do mesmo grupo econômico do WhatsApp, o fazemos pensando que muitas das informações a nosso respeito não serão transferidas e tratadas de forma ilícita por empresas de marketing eleitoral, que atuaram para manipular a garantia da autonomia da vontade, atentando contra princípios constitucionais como dignidade da pessoa humana, direito a privacidade e intimidade, e contra garantias expressas no Marco Civil da Internet no art. 7º, que tratam dos direitos relativos aos nossos dados pessoais.

Ou seja, as plataformas descumpriram direitos protegidos pelo Marco Civil da Internet e pelo Código de Defesa do Consumidor, na medida em que o princípio da boa fé objetiva e a obrigação de fornecer serviços seguros e que não exponham os usuários à situação de vulnerabilidade e risco foram absolutamente ignorados.

Isto porque a utilização das plataformas por apoiadores de determinadas candidaturas permitiu o uso de nossos dados pessoais para direcionar propaganda política ilegal, com o objetivo de influenciar nossos votos.

O descumprimento dessas obrigações causou danos em escala individual, coletiva e difusa, pois as instituições democráticas estruturadas para proporcionar um processo eleitoral ético e equilibrado foram atingidas.

E, nesse sentido, a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor e o Ministério Público deveriam ter atuado de forma incisiva, impondo a adoção de medidas de segurança.

Hoje, depois de ocorridos os danos em escala abrangente e nacional, as instituições competentes deveriam estar mobilizadas em responsabilizar não só aqueles que promoveram a desinformação pela Internet, mas também as plataformas que não ofereceram serviços com a qualidade e segurança que razoavelmente se poderia esperar, nos termos do art. 20, do Código de Defesa do Consumidor.

As consequências da falta de atuação tanto da SENACON sobre o uso e transferência de dados pessoais ilegais dos dados pessoais por parte das plataformas, quanto do TSE ganham proporção ainda mais grave em virtude do fato de que 53% da classe C e 80% das classes D e E, conforme indicam as pesquisas do CETIC.br de 2017, acessam a Internet exclusivamente por dispositivos móveis. E esse acesso se dá com base em planos contratados com os provedores com volume de dados mensais muito baixos – de 200 Mb a 1Gb por mês – sendo que, após a utilização dessa franquia de dados, o consumidor só tem direito a acessar WhatsApp e Facebook. Sendo assim, caso o consumidor receba uma informação via WhatsApp ou Facebook e queira conferir e checar se a notícia é falsa ou verdadeira, não terá como acessar outros sites para fazer a verificação, a não ser que pague por mais volume de dados ou utilize wi-fi.

Importante destacar que as notícias que são direcionadas para páginas do Facebook de cada usuário obedecem critérios definidos por algoritmos e, sendo assim, não temos acesso à informação de forma livre e irrestrita. Ou seja, o Facebook tem controle sobre o fluxo de informações utilizando nossos dados pessoais para a formação de perfis que determinarão quais notícias cada um de nós teremos acesso.

Considerando que temos 130 milhões de brasileiros na plataforma do Facebook e 120 milhões utilizando o WhatsApp e ainda que essas duas empresas integram o mesmo grupo econômico e compartilham suas bases de dados, é indiscutível que as práticas comerciais utilizadas por essas empresas, que dominam o mercado de rede social e mensageria, deveriam estar na mira das autoridades competentes para evitar o uso abusivo de nossos dados pessoais e a violação da lei eleitoral com consequências gravíssimas que comprometeram a ética e o equilíbrio do processo eleitoral de 2018.

Lei 9.504/1997

“Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na Internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de Internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no país E APENAS COM O FIM DE PROMOVER OU BENEFICIAR CANDIDATOS OU SUAS AGREMIAÇÕES.

Art. 57-E. São vedadas às pessoas relacionadas no art. 24 a utilização, doação ou cessão de cadastro eletrônico de seus clientes, em favor de candidatos, partidos ou coligações.

§ 1º É proibida a venda de cadastro de endereços eletrônicos.

Art. 57-H. Sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis, será punido, com multa de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$30.000,00 (trinta mil reais), quem realizar propaganda eleitoral na Internet, atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro, inclusive a candidato, partido ou coligação.

§ 1º Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na Internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

§ 2º Igualmente incorrem em crime, punível com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$30.000,00 (trinta mil reais), as pessoas contratadas na forma do § 1º.

Código de Defesa do Consumidor

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.


Flávia Lefèvre Guimarães é mestre em Direito pela PUC/SP, Associada do Intervozes; foi representante das entidades de defesa do consumidor no Conselho Consultivo da ANATEL de fevereiro de 2006 a fevereiro de 2009 e recentemente eleita para representar o 3º Setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil (2014 a 2020).

Flávia Lefèvre2019-02-19T00:03:55-03:00

Sérgio Amadeu

“As disputas eleitorais de 2010, 2012 e 2014 contribuiram para as ações de desinformação que observamos hoje. A midiatização das ações políticas e jurídicas combinaram-se com o lawfare, o uso de uma certa interpretação da lei para perseguir lideranças sociais e políticas, para processos judiciais se beneficiarem de elementos midiáticos. O cenário político que se estabeleceu após 2013, indo desde as eleições de 2014, a queda da presidente Dilma e o início do processo eleitoral de 2018, se beneficiou ainda da vitória de Donald Trump e da estratégia da direita alternativa norte-americana, a autodenominada alt-right, em 2016. Isso levou gradativamente a um conjunto de grandes e médios empresários a apoiar a solução brasileira mais semelhante ao vitorioso norte-americano que tivesse viabilidade eleitoral, a candidatura de Bolsonaro. Quem melhor poderia atuar com a estratégia da desinformação em massa e atacar os parâmetros racionais do debate era o grupo político de extrema direita, descompromissado com alianças e práticas de gestão, pois nunca havia governado e não era visto com seriedade até 2016.

Tal como nos Estados Unidos, a estratégia principal foi a ação nas redes sociais. Como a Internet permite a campanha microsegmentada a utilização de big data e a produção de discursos específicos para cada grupo específico, a campanha de Bolsonaro acabou se beneficiando do que seria uma grande fragilidade, o diminuto tempo na TV. Assim, não teve que formular um discurso geral e se comprometer com o atendimento de determinadas pautas. Seu programa de governo inexistia. Bolsonaro tinha frases de impacto. Também foi relevante o fato de Bolsonaro não ter que participar dos debates, o que ocorreu após o controverso esfaqueamento que sofreu em Juiz de Fora, no dia 6 de setembro de 2018. Assim, com discursos contraditórios, com ataques baseados em informações falsas e vitimizado pela facada, a campanha de Bolsonaro organizou uma grande onda de desinformação e suspensão dos parâmetros da realidade. Quando Bolsonaro era questionado, ele utilizava como antídoto de que qualquer contestação era “fake news” dos seus adversários que seriam os “bandidos do PT” e os poderosos do sistema. Curiosamente, os grupos mais poderosos economicamente, o capital financeiro, os ruralistas e tantos outros apoiavam a candidatura de Bolsonaro, ou seja, o sistema econômico estava com ele.

Como o uso de Whatsapp no Brasil contava com a adesão de 90% das pessoas conectadas à Internet, os discursos da campanha vitoriosa eram encaminhados conforme o interesse, a convicção e o temor de cada microsegmento instantaneamente pelo dutos dessa plataforma. Violações da lei eleitoral foram praticadas, uma vez que a campanha principal de Bolsonaro não foi realizada por suas contas registradas na Justiça Eleitoral. A Lei eleitoral somente permitia a campanha paga na Internet por meio do comitê oficial dos candidatos e partidos. A campanha bolsonarista foi distribuída e mobilizou apoiadores, empresários regionais e locais, somada a grandes esquemas de compra de cadastros e soluções de big data. Por isso, Steve Banon, estrategista de Trump e um dos dirigentes da Cambridge Analytica, apareceu em encontros com um dos filhos de Bolsonaro. Diversos disparos massivos foram realizados para cadastros microsegmentados adquiridos de empresas de marketing digital, no Brasil e no exterior.

O uso do Whatsapp não explica a vitória de Bolsonaro. O processo de suspensão da realidade, de interdição do debate, o discurso contra a discussão de soluções políticas, foi empregado junto com um amplo e minucioso conjunto de ataques e campanhas de desinformação. Dificilmente daria certo, se Bolsonaro tivesse que debater as soluções para o país. Por que essa estratégia de desinformação não deu certo no Nordeste? Principalmente, porque lá, os efeitos concretos de redução da miséria e de melhoria das condições de vida dos governos de centro-esquerda não poderiam ser anulados por discursos morais ou de ataques a Lula. Todavia, o “kit gay” teve um efeito grande nas camadas da baixa classe média nordestina.”

Sérgio Amadeu2019-01-29T17:57:22-02:00

Rafael Evangelista

“Não há, ainda, pesquisas consistentes que consigam dar conta exatamente do que aconteceu no processo eleitoral brasileiro, até porque é difícil isolar os efeitos das novas tecnologias de comunicação do contexto específico dessa eleição, pesando corretamente os fatores. Uma coisa é bastante certa, porém: não é possível pensar o efeito do WhatsApp, e da desinformação que circulou por ele, descolados tanto de outras plataformas de internet (mídias sociais e, principalmente, o YouTube), quanto da mídia tradicional de massa. A desinformação que produziu efeitos, pelo menos em algum momento, encontrou amparo ou não foi concretamente rejeitada nesses outros ambientes.

A falta de transparência das plataformas, seja em suas políticas, algoritmos ou ambientes de circulação da informação, com certeza é um dos maiores complicadores para o combate à desinformação. Como são ambientes privados, e muitas vezes estão baseadas em locais onde nossa legislação não alcança, ninguém tem exata dimensão das operações de alteração e previsão de comportamento que estão sendo desenvolvidas e a pedido de quem. Sabemos que elas existem cotidianamente para o marketing de produtos e temos notícias do uso em eleições. Mas para serem efetivas, e essa é uma das suas características essenciais, elas precisam ser invisíveis a quem é atingido. As frágeis democracias do Sul, com suas instituições titubeantes, disfuncionais ou cúmplices de determinados atores, obviamente são o alvo mais desprotegido.”


Rafael Evangelista é cientista social, mestre em linguística e doutor em antropologia social pela UNICAMP.  Atualmente é pesquisador do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) e professor do Mestrado em Divulgação Científica e Cultural da mesma Universidade. Em 2018, atuou como pesquisador visitante junto ao Surveillance Studies Centre, da Queen’s University, no Canadá. É Autor do livro digital “Para Além das Máquinas de Adorável Graça: cultura hacker, cibernética e democracia”.

Rafael Evangelista2019-01-28T18:21:12-02:00

WhatsApp Como Ferramenta de Disseminação de Conteúdo: O Que Aprendemos Com a Campanha Presidencial de 2018

Por Leonardo Germani e Marina Pita

Na virada do primeiro para o segundo turno da campanha para a presidência do Brasil em 2018 ficou evidente que Jair Bolsonaro, candidato do Partido Social Liberal (PSL), e seus defensores, haviam dominado o método de disseminação de conteúdo pelo WhatsApp e o uso da a Internet1 como principal canal de comunicação e mobilização. Frente ao fato, e um tanto impressionados e temerosos, partidos, militantes, movimentos sociais, organizações políticas e pessoas, milhares de pessoas, organizadas politicamente ou não, tomaram a iniciativa de articular uma ação para fazer ecoar no WhatsApp também a campanha de Fernando Haddad, o candidato considerado de esquerda, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e da coligação “O Brasil Feliz de Novo”.

Muitas dessas pessoas compartilhavam a necessidade de se ocupar e, especialmente, reocupar um espaço deixado de lado nos meses anteriores. Conforme o clima de tensão que antecedeu a campanha aumentava, muitos saíram de grupos de WhatsApp dos quais participavam com amigos e familiares. A escalada da polarização, o sentimento de isolamento e a impossibilidade do diálogo eram as principais justificativas para abandonarem esses espaços que, agora, percebiam ser extremamente estratégicos e importantes para a disputa, não só eleitoral, mas da construção do imaginário e da percepção da sociedade sobre as mais diversas questões.

A própria campanha da coligação “Brasil Feliz de Novo” sentiu a desvantagem2 e intensificou as ações no aplicativo. Após o primeiro turno, lançou a iniciativa “Vem de Zap”3. Por meio de sites, divulgavam links para grupos de WhatsApp de distribuição de material de campanha, orientações para a militância e argumentos para rebater os assuntos em alta naquele dia. Nestes grupos, apenas a campanha era autorizada a mandar mensagens, enquanto os demais participantes apenas recebiam e podiam então redistribuir o material. A operação cotidiana dessa tática, porém, mostrou-se bastante complexa, segundo pessoas que participaram do processo. Cada grupo de WhatsApp possui um número máximo de 256 participantes e, cada vez que um grupo lotava, era preciso criar um novo e atualizar o link de convite no site. Isso deveria ser feito ao mesmo tempo que se coordenava o disparo de mensagens para os grupos já existentes – que chegaram a casa dos milhares -, com conteúdo atualizado e respondendo à polêmica do momento. Toda esta operação, segundo as fontes consultadas, foi realizada, de maneira manual e por poucas pessoas.

Mas, para além da iniciativa oficial, muitos grupos e coletivos não envolvidos na campanha de Fernando Haddad de forma profissional, se organizaram, unindo hackers a comunicadores e militantes, para tentar construir, do dia para a noite, alguma solução para explorar de maneira eficiente o universo das mensagens instantâneas. A lacuna de conhecimento de como realizar tal operação, porém, ficou bastante evidente.

Entre as maiores iniciativas, vale menção a “Vamos Virar”, organizada por “um grupo de pessoas de diversos campos de atuação, junto a coletivos de incidência política como Muitas, Bancada Ativista, Vote Nelas, Educafro, Chama, Ocupa Política, entre outros”. A “Vamos Virar” foi uma estratégia para orientar, pelo WhatsApp, a energia de militância que se percebia represada em pessoas comuns, sem histórico de campanha, mas que estavam dispostas e ansiosas para se engajar. Poucas horas após o lançamento da iniciativa, 80 mil pessoas já haviam mandado “Oi” para o número do WhatsApp do coletivo, conforme as instruções para entrar no movimento.

O coletivo, no entanto, encontrou dificuldades em operacionalizar seu modelo de disseminação de conteúdo para milhares de usuários. A empresa que controla o aplicativo vem se esforçando para que o mesmo não seja usado em contexto de disseminação de conteúdo em massa. Em julho de 2018, o WhatsApp anunciou o estabelecimento de um novo limite de compartilhamento de conteúdo para, no máximo, 20 destinatários (sejam eles pessoas ou grupos) com o objetivo de conter a disseminação de boatos e desinformação4. Para mandar para mais pessoas a mesma mensagem, é necessário selecioná-la de novo e daí apontar outros 20 contatos para recebê-las. No caso das listas de transmissão, o WhatsApp permite o envio de mensagens apenas aos usuários que mantêm o contato do remetente registrado no telefone e até o limite de 256 contatos para cada lista, sendo que não há limite para o número de listas que cada número pode criar5. Vale lembrar também que o WhatsApp, diferentemente de outros serviços de mensageria, só funciona atrelado a um número e a um aparelho celular em funcionamento.

A opção do “Vamos Virar” foi então substituir o sistema de distribuição de conteúdo pelo WhatsApp pelo já conhecido, bom e velho, e-mail. Neste formato, conseguiram responder à demanda, mas tiveram um alcance e uma efetividade limitada. E, mais importante, perderam o principal diferencial que gostariam de atingir, de disseminar conteúdos próprios por meio de uma ferramenta que permitisse aos destinatários compartilhar tais conteúdos com seus contatos apenas com alguns cliques.

O perfil do Instagram “ViraVoto”, que fez grande sucesso durante a campanha chegando a centenas de milhares de seguidores6, também realizou uma experiência semelhante ao “Vem de Zap” da campanha oficial, distribuindo conteúdo para as pessoas que voluntariamente entravam em grupos de WhatsApp criados por eles.

Houve ainda iniciativas como o “Ativistas com Haddad”, que utilizava um aplicativo de celular e e-mails para enviar conteúdos e orientações diárias para apoiadores do candidato. A plataforma chegou a mais de 60 mil inscritos em poucos dias de operação, porém não funcionava de maneira bem integrada ao WhatsApp. Para compartilhar vídeos, por exemplo, era preciso enviar links para o Youtube e não era possível compartilhar áudios, quebrando totalmente a experiência de uso do App.

Além disso, o desafio de fazer uma pessoa baixar um novo aplicativo é maior do que se engajar em uma nova atividade em um aplicativo já conhecido. A oferta de uma novo app para a realização de tarefas de campanha ainda esbarra na baixa capacidade de memória de grande parte dos smartphones ativos entre a população brasileira7.

O aplicativo, no entanto, oferecia um canal de retorno aos engajados em angariar votos a Haddad, de forma que era possível produzir conteúdo de acordo com a necessidade de quem estava no contato direto com eleitores, uma vantagem em relação aos grupos ao estilo “canal”, em que não há interação.

O engajamento no aplicativo ao longo do segundo turno, no entanto, foi caindo com o passar dos dias após o lançamento, o que demonstra a dificuldade em manter a atenção dos usuários que baixaram o aplicativo diante da competição com tantos outros canais.

1Antes mesmo do início da campanha presidencial, Bolsonaro já era o candidato com mais seguidores no Facebook, com 5,2 milhões de curtidas. Em março de 2018, a conta do presidenciável no Twitter, plataforma bem menos usada no Brasil, alcançou 1 milhão de seguidores.
FLORES, Paulo. Nexo. Redes sociais e TV: qual o peso de cada meio nas eleições de 2018. Disponível em: <
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/03/18/Redes-sociais-e-TV-qual-o-peso-de-cada-meio-nas-elei%C3%A7%C3%B5es-de-2018>. Acesso em 10 jan. 2018.

2O fenômeno de divulgação de conteúdo de campanha de Bolsonaro nas redes sociais fez Letícia Cesarino, professora da Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Antropologia pela Universidade da Califórnia, classificar a atuação política do grupo como populismo digital.

3Segundo o site Lula.com.br, o “Vem de Zap” é uma corrente de notícias, fatos e dados, formada por voluntários de todo o Brasil. Em 24 de maio o mesmo site informava a existência de 147 grupos espalhados por todos os estados brasileiros. Disponível em: <https://lula.com.br/vem-pro-zap-do-haddad-organico-de-graca-e-baseado-em-verdades/>

4WhatsApp limita reenvio de mensagens após linchamentos na Índia. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/tecnologia/noticias/redacao/2018/07/20/whatsapp-limita-reenvio-de-mensagens-apos-linchamentos-na-india.htm> Acesso em 20 jan. 2018.

5Conforme página de FAQ que o WhatsApp mantém acerca da ferramenta. Disponível em: <https://faq.whatsapp.com/en/30046788/?lang=pt_br>. Acesso em 20 jan. 2018.

6Em 10 de janeiro de 2019, o perfil registrava 264 mil seguidores. Post publicado no dia 27 de outubro, um dia antes da votação do segundo turno contava com 15.171 curtidas.

7De acordo com Fernando Paiva, diretor do site noticioso especializado em tecnologia móvel no Brasil, Mobile Time, o problema no Brasil é que “os celulares de gama baixa têm pouca memória, o que obriga os consumidores a ficar somente com os apps que realmente mais utilizam, o que gera uma retenção baixa dos aplicativos instalados”. Disponível em: http://www.abessoftware.com.br/noticias/80-dos-brasileiros-com-smartphones-baixaram-um-novo-app-nos-ultimos-30-dias>.

WhatsApp Como Ferramenta de Disseminação de Conteúdo: O Que Aprendemos Com a Campanha Presidencial de 20182019-02-14T17:45:06-02:00

Tecnicamente o Que é Possível Fazer, Afinal?

O que se aprendeu neste processo de investigação e nas diversas tentativas de operar ações em grande escala com WhatsApp, sem aporte financeiro ou humano profissionalizado, foi que não é nada simples utilizar o aplicativo para disseminação de conteúdo em massa. Na verdade, percebeu-se que, uma operação centralizada de escala nacional pode ser inviável.

O WhatsApp não tem como finalidade a transmissão em massa e não oferece ferramentas para isso, nem para usuários, nem para desenvolvedores de software. Ao contrário, o WhatsApp vem adotando mecanismos para evitar que isso seja feito, especialmente por conta da pressão da opinião pública. Além dos fatores já citados, a empresa vem bloqueando números que apresentam comportamento de distribuição de spam. Apenas nas eleições brasileiras foi registrado o bloqueio de centenas de milhares de números na aplicação, conforme informação da empresa1.

Por isso, uma operação em escala no WhatsApp pode ser bastante cara e complexa. Pelo apurado com pessoas familiarizadas no assunto, as ferramentas de disparo utilizadas pelas empresas que vendem este serviço utilizam uma extensão de navegador que automatiza a operação do “WhatsApp Web” como um robô. No entanto, as mensagens continuam sendo enviadas uma a uma. O processo é automatizado, mas não é instantâneo.

Uma das empresas com que tivemos contato durante a campanha presidencial alegava que seu sistema era capaz de enviar 80 mil mensagens por dia, para cada chip utilizado. Isso significa que, mesmo se fossem utilizadas as bases com milhões de números de celulares, vendidas ilegalmente, a operação para atingir uma pequena porção dessa população envolveria uma estrutura com centenas de chips de celular operando simultaneamente, em especial se considerarmos que os conteúdos enviados precisam dialogar com o que há de “quente” no debate naquele dia. Uma mensagem que chegue com um dia de atraso pode já não ter o efeito desejado.

Outra dificuldade é o fato de que este grande número de envios de mensagens por chip só seria alcançado se ele não fosse bloqueado durante a operação, o que aconteceu com frequência nas experiências que acompanhamos. Ao detectar um comportamento suspeito, ou ao receber muitas denúncias de SPAM de usuários, o WhatsApp bane o número e, portanto, o chip do aplicativo, que passa a não poder mais enviar mensagens. Nesse momento, um operador precisa perceber que isso aconteceu, substituir o chip, e reiniciar a operação.

Para tomar a decisão de bloquear um número por spam, o WhatsApp avalia, entre outros fatores, se o chip do qual parte o disparo de um grande volume de mensagens é novo no aplicativo, o que elevaria as chances de configuração de uso malicioso. Quando um chip já tem um histórico de uso, há mais chances de ser uma pessoa o utilizando, legitimamente. Em decorrência deste critério de bloqueio de chips/números, o mercado criou a curiosa prática de “esquentar chips”.

Esquentar um chip consiste em mantê-lo em uma espécie de “incubadora”, trocando mensagens aleatórias com outros chips que também estão sendo esquentados. Dessa maneira, quando forem utilizados para realizar disparo em massa, terão um histórico de uso e, consequentemente, maior vida útil até serem bloqueados. Alguns chips podem ficar meses esquentando, em uma “fazenda de chips”, com outras centenas que empresas mantêm em estoque para sempre terem disponíveis números com histórico, teoricamente aptos a operarem por mais tempo.

Aqui vale um breve comentário sobre a pouca pressão que existe sobre as empresas de telecomunicações para fiscalizar a operação de chips. Há que aprofundar se as operadoras de telefonia móvel fazem qualquer acompanhamento do uso de chips para detecção de comportamento suspeito e como poderiam fazê-lo, se é que é possível, sem ferir o direito dos usuários.

Outro desafio para esta operação são as exigências para ativar um chip de celular. As regras brasileiras exigem nome e número de CPF válidos. E, no entanto, em uma simples busca na Internet é possível encontrar CPFs de pessoas2, o que demonstra quão simples pode ser superar essa barreira. Em dezembro de 2018, a Folha de São Paulo publicou denúncia de que dados de idosos, vazados de bancos de dados públicos, foram usados para habilitação de chips usados em disparos massivos de mensagens pelo WhatsApp3. Mais uma vez se torna relevante maior controle das empresas de telecomunicações acerca dos dados utilizados para ativação de contas.

A denúncia de uso de dados de idosos para ativação de chips deixa transparente a correlação da proteção de dados – e sua violação – com o direito à informação e a livre circulação de informações na era digital. Além do uso não autorizado de informações coletadas em grupos de WhatsApp e de informações psicossociais coletadas em outras plataformas apoiarem grupos interessados em influenciar a esfera e opinião pública, a disponibilização de dados básicos como nome e RG para determinados agentes favorece a distribuição de conteúdo ao permitir a falsificação de perfis e homologação de chips, por exemplo.

Outra relevante alternativa para manter uma fábrica de mensagens de WhatsApp é o uso de chips estrangeiros, uma vez que nem todos os países têm a mesma regra que o Brasil quanto a identificação do usuário. O uso de números estrangeiros para ativação de contas no WhatsApp é algo apontado como recorrente na estratégia de comunicação de campanha do PSL, conforme informação divulgada na imprensa brasileira4. Os chips recebidos para campanha Bolsonaro eram entregues “pessoalmente, em encontros cercados de sigilo. A ideia era dificultar o rastreamento e bloqueio dessas linhas”5.

Mas quem pensa que é preciso sair do país para conseguir um número estrangeiro se engana. São diversos os tutoriais online6, em sites não lá muito conhecidos, que indicam aplicativos como Primo, 2ndline, NextPlus, VirtualSIM, entre tantos outros.

Os próprios tutoriais que indicam tais aplicativos informam que alguns números já podem estar bloqueados pelo WhatsApp ou podem eventualmente ser bloqueados e ensinam como proceder nesses casos. Também há a advertência aos interessados de que um número pode ser disponibilizado a mais de um usuário, o que significa que uma pessoa poderia ter acesso às mensagens enviadas anteriormente a partir daquele número. Ou seja, o uso de números virtuais pode exigir uma gestão ainda mais complexa e configurações mais rebuscadas para assegurar a privacidade das conversas.

1Segundo a BBC Brasil um ṕorta-voz do WhatsApp afirmou que além das mudanças em grupos e mensagens encaminhadas, houve um investimento em ferramentas de detecção de comportamento suspeito de usuários, como o volume de mensagens enviadas, a repetição de conteúdos, discursos de ódio ou ofensas e quantas vezes este usuário foi excluído ou bloqueado por interlocutores.

2Em sites como Jusbrasil é possível encontrar nomes completos e CPFs.

3RODRIGUES, Artur; MELLO, Patrícia Campos. Folha de S. Paulo. Fraude com CPF viabilizou disparo de mensagens de WhatsApp na eleição. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/12/fraude-com-cpf-viabilizou-disparo-de-mensagens-de-whatsapp-na-eleicao.shtml?utm_source=meio&utm_medium=email> . Acesso em 10 jan. 2018.

4FERREIRA, Gabriel; SOARES, João Pedro. Época. Como funciona a máquina de WhatsApp que pode eleger Bolsonaro. Disponível em <https://epoca.globo.com/como-funciona-maquina-de-whatsapp-que-pode-eleger-bolsonaro-23180627>. Acesso em 11 jan. 2018.

5Idem 11

6Entre as página acessadas para este texto, estão: “Como criar número virtual conheça 10 aplicativos”. Disponível em : <https://www.supertutorial.com.br/criar-numero-virtual-conheca-11-aplicativos-id3275>. Acesso em 11 jan. 2018.
“Como Criar um WhatsApp Fake Sem Chip e Com um Número Virtual de Graça”. Disponível em: <
https://www.droidns.com.br/2017/07/como-criar-um-whatsapp-fake-sem-chip-e-com-um-numero-virtual-de-graca.html>. Acesso 11 jan. 2018.

Tecnicamente o Que é Possível Fazer, Afinal?2019-02-14T17:55:27-02:00
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