Capítulo 1 – INTRODUÇÃO2019-01-31T23:53:57-02:00
Reprodução digital de cena do filme “Verdades e Mentiras” (F for Fake) de Orson Welles, Planfilm Specialty Films, 1973.
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Introdução: Informação, Tecnologia e Política

Por |janeiro 21st, 2019|Categorias: C1, C1P1|Tags: |Comentários desativados em Introdução: Informação, Tecnologia e Política

Aquilo que distingue um regime democrático de uma ditadura, aristocracia ou oligarquia é o fato de que, nas democracias, grupos e indivíduos podem e devem interferir e participar das decisões relativas às normas, leis, condutas e políticas que determinam a organização da sociedade que este regime governa. As informações adquiridas, transmitidas, emitidas, armazenadas, trocadas e multiplicadas dentro das relações sociais que constituem este regime, assim como as estruturas que as manejam, são termômetros e parâmetros fundamentais de sua saúde e condições reveladoras da qualidade de sua existência.

Um velho clichê diz que “informação é poder”, porém as coisas podem ser mais complexas que isso: principalmente nas sociedades tecnológicas, desde sua reprodução mecânica, a informação aparece como fonte de poder e como relação de poder central para sua obtenção e exercício. Informação e política têm um elo fundamental e mantém um sólido imbricamento ao longo da história humana.

Antes da invenção da prensa, as cópias de livros eram feitas a mão pelos poucos cidadãos alfabetizados, – majoritariamente membros do clero ou da realeza. A alfabetização (o conhecimento dos códigos, idiomas, vocabulários, estruturas, linguagens e semânticas) era, portanto, um instrumento poderoso de poder político sustentado na compreensão, interpretação, tradução e reprodução das obras gráficas, filosóficas e literárias. O poder político circulava em torno destas redes sociais alfabetizadas e dos compartilhamentos exclusivos que aquelas redes permitiam. O acesso à bibliotecas, as correspondências por cartas, as rotas mercantis e os circuitos culturais restritos eram as formas de aquisição, interação, emissão e apresentação do conhecimento.

As antigas escrituras, em função das numerosas edições, cópias, adaptações, subtrações e adições passaram aos poucos a terem seus sentidos originais alterados. Até hoje, estudos e pesquisas são realizados no sentido de recuperar e debater o significado original de muitas obras historicamente relevantes. A distorção ou desvio do sentido das obras é, portanto, um elemento constituinte do processo de fluxo informacional e característica inerente da sua própria existência.

Com a invenção da prensa mecânica no século XVI e a possibilidade de cópia e reprodução integral de conteúdos, a circulação de informações via panfletos, jornais, livros e revistas se multiplicou e passou a contribuir com a massificação das informações, da alfabetização e do conhecimento, ainda que restrita a poucas camadas sociais e comandada por interesses de mercado, Igreja e Estado. Com a facilidade de impressão, distribuição e aquisição de conteúdos e a ampliação da distribuição gráfica de expressões e opiniões, aparecem também os questionamentos relativos veracidade, confiabilidade e seriedade do conteúdo distribuído.

O nascimento da política moderna é contemporâneo ao esforço de catalogar, sistematizar e organizar científica e verdadeiramente o conhecimento humano, materializado na ideia de enciclopédia. Desde então, tanto o processo de ampliação das expressões e opiniões vem tendo avanços, quanto o abuso na exploração econômica e política destas possibilidades vêm desafiando o equilíbrio das sociedades democráticas e, em não raras vezes, usado para violar o direito de liberdade de expressão e participação política que a própria constituição moderna inaugura.

Em tempos atuais, a produção industrial de relações informacionais (com o suporte de tecnologias digitais e popularização dos instrumentos de produção, disseminação, transmissão, recepção e armazenamento de conteúdo) se torna um elemento central das disputas políticas, semânticas e simbólicas das democracias. As tecnologias de comunicação digital aparecem desafiando a lógica da comunicação de massa tal qual entendíamos no século XX e nos forçam compreender novas dinâmicas do e no campo democrático. O que era uma estrutura de transmissão de poucos para muitos, realizada em sua maioria sob bases comerciais de larga escala – privadas ou estatais – deu lugar a uma malha mais ou menos descentralizada de fluxos que não reproduz o maquinário, a linguagem, o estilo ou a forma da antiga mídia de massa.

Assim, o poder político, que se concentrava na aliança entre Estado, empresas de comunicação (jornais, rádio e televisão) e grupos de interesses comerciais e simbólicos (empresas, igrejas, corporações) se movimenta de forma a ocupar este novo modelo e fazer dele sua fonte de poder e condição central para seu exercício. Da mesma forma, as conquistas relacionadas a liberdade de expressão, acesso a informação e a democratização das expressões também usufrui dos avanços e transformações que as relações de informação tiveram a partir do paradigma digital. Embora o elo entre política e informação não seja novo, as transformações tecnológicas e culturais nas sociedades democráticas impõem novos desafios à liberdade de expressão, à participação social e ao exercício do poder.

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Antes das “Fake News”: O Caso dos Protocolos e da Guerra dos Mundos

Por |janeiro 21st, 2019|Categorias: C1, C1P2|Tags: |Comentários desativados em Antes das “Fake News”: O Caso dos Protocolos e da Guerra dos Mundos

Antes da revolução digital, um dos casos mais notórios de influência política através da disseminação de informações falsas é o da publicação intitulada “Os protocolos dos sábios de Sião”.

Nos dias 16, 17 e 18 de Agosto de 1921 o jornal londrino “The Times” publicou uma matéria investigativa sobre um documento que circulava na Europa desde os primeiros anos do século XX e que sugeria um complô Judeu para a dominação do mundo. A matéria evidencia que o documento havia sido forjado e partes dele plagiado de outras obras sem conexão com sua motivação. Lançado na Rússia em 1903, o panfleto se espalhou pela Europa em vários idiomas e chegou a ser impresso nos Estados Unidos pelo jornal de Henry Ford em 1920. Além de ser um exemplo clássico de documentação anti-semita, potencializando o racismo como motivação política, alguns pesquisadores apontam sua influência na promoção da ideologia Nazista na Alemanha na década de 30 e 40, colaborando assim com a tragédia da II Guerra Mundial. Mesmo após a comprovação da farsa, ainda hoje há quem considere o documento verdadeiro, inclusive líderes políticos de viés anti-semita, que dão ao texto uma legitimidade há muito desmentida.

Outro caso ocorreu em 30 de Outubro de 1938, quando o ator e cineasta Orson Welles narrou um trecho da obra “A guerra do mundos”, do escritor H. G. Wells, pelo rádio. O narrador comentara que a ideia da adaptação radiofônica do livro tinha a intenção de simular os eventos enquanto eles se desenvolviam, como se fosse um boletim ao vivo ou uma notícia. O estilo realista da interpretação gerou irrupções sociais documentadas em alguns locais dos Estados Unidos. A polícia compareceu ao estúdio e relatos de distúrbios, pânico e estresse foram coletados e atribuídos a junção da audiência do programa com a tensão social pré segunda guerra. Há mesmo quem afirme que esta reação ao programa foi também um mito. O ambiente disruptivo, no entanto, foi propagado, e há registros de que o próprio Adolf Hitler teria ligado esta suposta reação ao programa de rádio à “evidência da decadência e condição corrupta da democracia”.

Estes exemplos atestam a capacidade que as mídias de massa tinham de interferir tanto na psicologia social quanto na ideologia política das sociedades de seus tempos. Mesmo antes do fenômeno digital, a circulação massiva das informações era parte do desafio das sociedades democráticas e um elemento central de seu destino real.

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Desvio de Sentido e Expressão Crítica: Situacionistas e os Adbusters

Por |janeiro 21st, 2019|Categorias: C1, C1P3|Tags: |Comentários desativados em Desvio de Sentido e Expressão Crítica: Situacionistas e os Adbusters

Com o desenvolvimento massivo dos meios de comunicação no decorrer do século XX, a eletrônica se torna fundamental no processo de troca de informações. As disputas semânticas se fortaleceram no final dos anos 60 com o avanço das tecnologias de reprodução e edição e também com a diversificação da produção criativa e crítica. O que se conhece hoje como ‘memes’ tem sua origem moderna em um movimento artístico e político da década de 60 na Europa. O movimento situacionista (1), como forma de criticar tanto o socialismo real do leste europeu e a sociedade de consumo capitalista, promoveu ações que misturavam a cultura de massas, a crítica teórica e a atuação política.

Uma das expressões era a utilização de histórias em quadrinhos nas quais os balões de diálogos eram alterados de modo a transformar a significação e o contexto da obra original. Este tipo de ação ficou conhecida como detournement (desvio).

Mais recentemente, nos anos 90, acompanhando a intersecção entre política, arte e tecnologia uma série de movimentos se utilizaram de ferramentas tecnológicas para promover trotes, embustes e sátiras como uma maneira de politizar tanto as tecnologias quanto as questões sociais via manipulação de informações. Um grupo que desenvolveu a prática do detournement situacionista e o trouxe à contemporaneidade foi o norte-americano Adbusters. Em suas obras, as imagens, símbolos, marcas e mensagens são subvertidas e fazem surgir significados diferentes dos originais. Tendo como alvo as mensagens comerciais de grandes empresas, a experiência dos Adbusters faz a crítica da “verdade” contida nas propagandas e expõe o conteúdo político e econômico embutido nas ações de marketing.

Como forma de crítica política, social, cultural e econômica, o desvio de função dos conteúdos produzidos pelos mecanismos técnicos de informação e comunicação tem sido uma constante e vêm se intensificando com o passar dos anos e a evolução tecnológica. O debate sobre veracidade, originalidade, autoria e significado das mensagens é um problema que engloba as esferas tecnológicas, criativas e culturais e a interferência destes processos na realidade social é um tema fundamental para ser debatido dentro do escopo da liberdade de expressão.

(1) Ver: Situacionista: Teoria e Prática da Revolução. Ed. Conrad, 2002.

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Verdade e Ficção: O Caso dos Manifestos Dogma e Surplus

Por |janeiro 21st, 2019|Categorias: C1, C1P4|Tags: |Comentários desativados em Verdade e Ficção: O Caso dos Manifestos Dogma e Surplus

Em 1995 os diretores de cinema dinamarqueses Lars Von Trier, Kristian Levring, Søren Kragh-Jacobsen e Thomas Vinteberg criaram o coletivo Dogma 95 que pregava que para recuperar o espírito criador de diretores e atores, os filmes deveriam se abster ao máximo possível do uso de tecnologias de efeitos especiais, pós-produção, edição e técnicas de estúdio. Com o intuito de recuperar os valores artísticos da história, roteiro e atuação, o manifesto pregava a proibição de filtros de câmera, iluminação especial artificial, utilização de música incidental, recursos temporais e geográficos fora do ‘aqui e agora’ e pregava a utilização exclusiva de locações para filmagem.

Como oposição a estes princípios, o cineasta Sueco Erik Gandini lançou o “surplus Manifesto” concomitantemente à produção de seu documentário “Surplus – Terrorized into being consumers”. O documentário mostra repetidamente locações não identificáveis, constante manipulação e edição de áudio e vídeo, atemporalidade e alocalidade e muitas técnicas de efeitos mescladas as filmagens, numa explícita crítica aos regimes políticos, de esquerda e direita, e de seus próprios artifícios de manipulação. No manifesto, Gandini declara: “Nunca tente ser realista ou neutro”.

Enquanto o dogma defende a necessidade da simplicidade literal e pureza factual do ambiente da obra, o Surplus prega distorcer e confundir as informações (som, imagem, lugar, tempo) de maneira a propor uma verdade velada, fruto de combinações de pontos de vista. São portanto duas visões opostas sobre como retratar suas histórias (fictícias ou documentais) a partir de pedaços de realidade.

O debate sobre desinformação, liberdade de expressão e política, não deve permitir a utilização do termo fake news para sustentar ataques contra visões, pontos de vista e formas de expressão sob o argumento de deverem retratar o verdadeiro. O uso maleável da noção de fake news, que qualifica implicitamente de mentira uma notícia, não deve tornar-se justificativa para a restrição da liberdade de expressão e artística através de pressões de ordem política, religiosa, moral e ideológica. Tal possibilidade, ao admitir ou impor uma ‘verdade’ particular para expressões da linguagem e do espírito, fortalece a pobreza crítica, imaginativa e interpretativa.

A capacidade ou não de se distinguir literalidade de alegoria faz do processo de fluxo de informações um problema que exerce influência política. No caso das fake news, por exemplo, conta o fato de seu impacto se beneficiar da fragilidade interpretativa e cultural que ela reproduz e da ausência de uma cultura da informação pela qual se deve buscar, apurar, analisar e criticar uma informação a partir do dado oferecido. Neste sentido, não nos parece que o aumento de legislações, impedimentos técnicos ou restrições legais a conteúdos eletrônicos seja resposta adequada e efetiva para a confusão posta sobre o fluxo enorme de conteúdo que circulam pela Internet.

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Autoria e Padrões: O Primeiro Caso de Remoção Baseada em ‘Fake News’

Por |janeiro 21st, 2019|Categorias: C1, C1P5|Tags: |Comentários desativados em Autoria e Padrões: O Primeiro Caso de Remoção Baseada em ‘Fake News’

Em Março de 2018, em uma sessão temática no plenário do Senado Federal que debateu as fake news, o presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) argumentou que a autoria das matérias e a profissionalidade das empresas confiaria às notícias por elas veiculadas, ainda que não fossem livres de erro, maior credibilidade, solidez e facilidade de apuração. No entanto, a trajetória da desinformação, como veremos, não se mede unicamente por sua assinatura ou origem.

A Bíblia, a Ilíada e a Odisséia, por exemplo, são marcos centrais da cultura ocidental nos quais o questionamento sobre seus autores e fatos históricos que narram não impede o reconhecimento de sua relevância literária, artística e religiosa. Ou seja, a ausência de autoria e de credibilidade científica também constroem obras de enorme influência na realidade social e seria um erro pensar que remédios fáceis como proibição legal de circulação ou a criminalização do anonimato pudessem sanar os eventuais malefícios que representam.

A primeira decisão de remoção de conteúdo da Internet baseada na Resolução nº 23.551/2017 foi dada em favor da campanha da candidata Marina Silva, atendendo a um pedido de liminar denunciando 5 postagens de Facebook que, segundo ela, difamavam sua imagem política em função da robotização, anonimato e conteúdo falso propagado pela Internet. A decisão, em favor da remoção das cinco publicações da página “Partido Anti-PT” ocorreu no dia 7 de junho, antes do início da campanha eleitoral.

Em Junho de 2016, o colunista Lauro Jardim em seu blog no jornal O Globo, publica que Leo Pinheiro teria dito em delação premiada que Marina Silva recebera recursos não contabilizados para sua campanha presidencial de 2014. Grandes veículos comerciais reproduziram a notícia que foi retomada e publicada em 2018 pela página “Partido Anti-PT”, hospedada no Facebook. A página constantemente publica conteúdo do site imprensaviva.com, que, apesar de promover manchetes alteradas e ênfases mais dramáticas no conteúdo a fim de destacar sua linha política, se baseia principalmente em notícias de veículos comerciais.

O ministro Sérgio Banhos, relator do caso, fundamenta sua decisão no caráter anônimo das publicações, argumentando que “A ausência de identificação de autoria das notícias, portanto, indica a necessidade de remoção das publicações do perfil público”. Entretanto, além de desconsiderar que tais fatos haviam sido anteriormente publicados por veículos comerciais em matérias assinadas, o Ministro também não menciona a disposição em contrário constante do art. 33, parágrafo 2º, da resolução 23.551, que diz que “A ausência de identificação imediata do usuário responsável pela divulgação do conteúdo não constitui circunstância suficiente para o deferimento do pedido de remoção de conteúdo da internet e somente será considerada anônima caso não seja possível a identificação dos usuários após a adoção das providências previstas nos arts. 10 e 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet)”.

Ainda mais preocupante, é o fato da decisão mencionar um “padrão” que poderia identificar fake news, citando um blog que publica um estudo mencionando um possível reconhecimento destes padrões por meio de Inteligência Artificial. Assim, escreve o ministro, “a manchete sensacionalista, a prevalência da primeira pessoa no texto, erros de gramática e coesão e o uso de palavras de julgamento e extremismo” seriam “conformações estilísticas” que “indicam a existência de um padrão relativamente comum nesse tipo de publicação, identificável até mesmo pela inteligência artificial”.

Assim, o caso nos aponta 3 problemas: 1) A assimetria da decisão que recai sobre o post em rede social mas não se remete aos veículos que inicialmente deram a notícia, supostamente de maior credibilidade. 2) A justificativa da anonimidade da publicação, em entendimento que é discutível pela interpretação da própria resolução em que a decisão se baseia e 3) A suposição de que padrões de linguagem e escrita podem determinar legalmente o que reflete a “mentira” contida na ideia de fake news.

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