Aquilo que distingue um regime democrático de uma ditadura, aristocracia ou oligarquia é o fato de que, nas democracias, grupos e indivíduos podem e devem interferir e participar das decisões relativas às normas, leis, condutas e políticas que determinam a organização da sociedade que este regime governa. As informações adquiridas, transmitidas, emitidas, armazenadas, trocadas e multiplicadas dentro das relações sociais que constituem este regime, assim como as estruturas que as manejam, são termômetros e parâmetros fundamentais de sua saúde e condições reveladoras da qualidade de sua existência.

Um velho clichê diz que “informação é poder”, porém as coisas podem ser mais complexas que isso: principalmente nas sociedades tecnológicas, desde sua reprodução mecânica, a informação aparece como fonte de poder e como relação de poder central para sua obtenção e exercício. Informação e política têm um elo fundamental e mantém um sólido imbricamento ao longo da história humana.

Antes da invenção da prensa, as cópias de livros eram feitas a mão pelos poucos cidadãos alfabetizados, – majoritariamente membros do clero ou da realeza. A alfabetização (o conhecimento dos códigos, idiomas, vocabulários, estruturas, linguagens e semânticas) era, portanto, um instrumento poderoso de poder político sustentado na compreensão, interpretação, tradução e reprodução das obras gráficas, filosóficas e literárias. O poder político circulava em torno destas redes sociais alfabetizadas e dos compartilhamentos exclusivos que aquelas redes permitiam. O acesso à bibliotecas, as correspondências por cartas, as rotas mercantis e os circuitos culturais restritos eram as formas de aquisição, interação, emissão e apresentação do conhecimento.

As antigas escrituras, em função das numerosas edições, cópias, adaptações, subtrações e adições passaram aos poucos a terem seus sentidos originais alterados. Até hoje, estudos e pesquisas são realizados no sentido de recuperar e debater o significado original de muitas obras historicamente relevantes. A distorção ou desvio do sentido das obras é, portanto, um elemento constituinte do processo de fluxo informacional e característica inerente da sua própria existência.

Com a invenção da prensa mecânica no século XVI e a possibilidade de cópia e reprodução integral de conteúdos, a circulação de informações via panfletos, jornais, livros e revistas se multiplicou e passou a contribuir com a massificação das informações, da alfabetização e do conhecimento, ainda que restrita a poucas camadas sociais e comandada por interesses de mercado, Igreja e Estado. Com a facilidade de impressão, distribuição e aquisição de conteúdos e a ampliação da distribuição gráfica de expressões e opiniões, aparecem também os questionamentos relativos veracidade, confiabilidade e seriedade do conteúdo distribuído.

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O nascimento da política moderna é contemporâneo ao esforço de catalogar, sistematizar e organizar científica e verdadeiramente o conhecimento humano, materializado na ideia de enciclopédia. Desde então, tanto o processo de ampliação das expressões e opiniões vem tendo avanços, quanto o abuso na exploração econômica e política destas possibilidades vêm desafiando o equilíbrio das sociedades democráticas e, em não raras vezes, usado para violar o direito de liberdade de expressão e participação política que a própria constituição moderna inaugura.

Em tempos atuais, a produção industrial de relações informacionais (com o suporte de tecnologias digitais e popularização dos instrumentos de produção, disseminação, transmissão, recepção e armazenamento de conteúdo) se torna um elemento central das disputas políticas, semânticas e simbólicas das democracias. As tecnologias de comunicação digital aparecem desafiando a lógica da comunicação de massa tal qual entendíamos no século XX e nos forçam compreender novas dinâmicas do e no campo democrático. O que era uma estrutura de transmissão de poucos para muitos, realizada em sua maioria sob bases comerciais de larga escala – privadas ou estatais – deu lugar a uma malha mais ou menos descentralizada de fluxos que não reproduz o maquinário, a linguagem, o estilo ou a forma da antiga mídia de massa.

Assim, o poder político, que se concentrava na aliança entre Estado, empresas de comunicação (jornais, rádio e televisão) e grupos de interesses comerciais e simbólicos (empresas, igrejas, corporações) se movimenta de forma a ocupar este novo modelo e fazer dele sua fonte de poder e condição central para seu exercício. Da mesma forma, as conquistas relacionadas a liberdade de expressão, acesso a informação e a democratização das expressões também usufrui dos avanços e transformações que as relações de informação tiveram a partir do paradigma digital. Embora o elo entre política e informação não seja novo, as transformações tecnológicas e culturais nas sociedades democráticas impõem novos desafios à liberdade de expressão, à participação social e ao exercício do poder.