Autoria e Padrões: O Primeiro Caso de Remoção Baseada em ‘Fake News’

Em Março de 2018, em uma sessão temática no plenário do Senado Federal que debateu as fake news, o presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) argumentou que a autoria das matérias e a profissionalidade das empresas confiaria às notícias por elas veiculadas, ainda que não fossem livres de erro, maior credibilidade, solidez e facilidade de apuração. No entanto, a trajetória da desinformação, como veremos, não se mede unicamente por sua assinatura ou origem.

A Bíblia, a Ilíada e a Odisséia, por exemplo, são marcos centrais da cultura ocidental nos quais o questionamento sobre seus autores e fatos históricos que narram não impede o reconhecimento de sua relevância literária, artística e religiosa. Ou seja, a ausência de autoria e de credibilidade científica também constroem obras de enorme influência na realidade social e seria um erro pensar que remédios fáceis como proibição legal de circulação ou a criminalização do anonimato pudessem sanar os eventuais malefícios que representam.

A primeira decisão de remoção de conteúdo da Internet baseada na Resolução nº 23.551/2017 foi dada em favor da campanha da candidata Marina Silva, atendendo a um pedido de liminar denunciando 5 postagens de Facebook que, segundo ela, difamavam sua imagem política em função da robotização, anonimato e conteúdo falso propagado pela Internet. A decisão, em favor da remoção das cinco publicações da página “Partido Anti-PT” ocorreu no dia 7 de junho, antes do início da campanha eleitoral.

Em Junho de 2016, o colunista Lauro Jardim em seu blog no jornal O Globo, publica que Leo Pinheiro teria dito em delação premiada que Marina Silva recebera recursos não contabilizados para sua campanha presidencial de 2014. Grandes veículos comerciais reproduziram a notícia que foi retomada e publicada em 2018 pela página “Partido Anti-PT”, hospedada no Facebook. A página constantemente publica conteúdo do site imprensaviva.com, que, apesar de promover manchetes alteradas e ênfases mais dramáticas no conteúdo a fim de destacar sua linha política, se baseia principalmente em notícias de veículos comerciais.

O ministro Sérgio Banhos, relator do caso, fundamenta sua decisão no caráter anônimo das publicações, argumentando que “A ausência de identificação de autoria das notícias, portanto, indica a necessidade de remoção das publicações do perfil público”. Entretanto, além de desconsiderar que tais fatos haviam sido anteriormente publicados por veículos comerciais em matérias assinadas, o Ministro também não menciona a disposição em contrário constante do art. 33, parágrafo 2º, da resolução 23.551, que diz que “A ausência de identificação imediata do usuário responsável pela divulgação do conteúdo não constitui circunstância suficiente para o deferimento do pedido de remoção de conteúdo da internet e somente será considerada anônima caso não seja possível a identificação dos usuários após a adoção das providências previstas nos arts. 10 e 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet)”.

Ainda mais preocupante, é o fato da decisão mencionar um “padrão” que poderia identificar fake news, citando um blog que publica um estudo mencionando um possível reconhecimento destes padrões por meio de Inteligência Artificial. Assim, escreve o ministro, “a manchete sensacionalista, a prevalência da primeira pessoa no texto, erros de gramática e coesão e o uso de palavras de julgamento e extremismo” seriam “conformações estilísticas” que “indicam a existência de um padrão relativamente comum nesse tipo de publicação, identificável até mesmo pela inteligência artificial”.

Assim, o caso nos aponta 3 problemas: 1) A assimetria da decisão que recai sobre o post em rede social mas não se remete aos veículos que inicialmente deram a notícia, supostamente de maior credibilidade. 2) A justificativa da anonimidade da publicação, em entendimento que é discutível pela interpretação da própria resolução em que a decisão se baseia e 3) A suposição de que padrões de linguagem e escrita podem determinar legalmente o que reflete a “mentira” contida na ideia de fake news.