“As disputas eleitorais de 2010, 2012 e 2014 contribuiram para as ações de desinformação que observamos hoje. A midiatização das ações políticas e jurídicas combinaram-se com o lawfare, o uso de uma certa interpretação da lei para perseguir lideranças sociais e políticas, para processos judiciais se beneficiarem de elementos midiáticos. O cenário político que se estabeleceu após 2013, indo desde as eleições de 2014, a queda da presidente Dilma e o início do processo eleitoral de 2018, se beneficiou ainda da vitória de Donald Trump e da estratégia da direita alternativa norte-americana, a autodenominada alt-right, em 2016. Isso levou gradativamente a um conjunto de grandes e médios empresários a apoiar a solução brasileira mais semelhante ao vitorioso norte-americano que tivesse viabilidade eleitoral, a candidatura de Bolsonaro. Quem melhor poderia atuar com a estratégia da desinformação em massa e atacar os parâmetros racionais do debate era o grupo político de extrema direita, descompromissado com alianças e práticas de gestão, pois nunca havia governado e não era visto com seriedade até 2016.

Tal como nos Estados Unidos, a estratégia principal foi a ação nas redes sociais. Como a Internet permite a campanha microsegmentada a utilização de big data e a produção de discursos específicos para cada grupo específico, a campanha de Bolsonaro acabou se beneficiando do que seria uma grande fragilidade, o diminuto tempo na TV. Assim, não teve que formular um discurso geral e se comprometer com o atendimento de determinadas pautas. Seu programa de governo inexistia. Bolsonaro tinha frases de impacto. Também foi relevante o fato de Bolsonaro não ter que participar dos debates, o que ocorreu após o controverso esfaqueamento que sofreu em Juiz de Fora, no dia 6 de setembro de 2018. Assim, com discursos contraditórios, com ataques baseados em informações falsas e vitimizado pela facada, a campanha de Bolsonaro organizou uma grande onda de desinformação e suspensão dos parâmetros da realidade. Quando Bolsonaro era questionado, ele utilizava como antídoto de que qualquer contestação era “fake news” dos seus adversários que seriam os “bandidos do PT” e os poderosos do sistema. Curiosamente, os grupos mais poderosos economicamente, o capital financeiro, os ruralistas e tantos outros apoiavam a candidatura de Bolsonaro, ou seja, o sistema econômico estava com ele.

leitura recomendada  Flávia Lefèvre

Como o uso de Whatsapp no Brasil contava com a adesão de 90% das pessoas conectadas à Internet, os discursos da campanha vitoriosa eram encaminhados conforme o interesse, a convicção e o temor de cada microsegmento instantaneamente pelo dutos dessa plataforma. Violações da lei eleitoral foram praticadas, uma vez que a campanha principal de Bolsonaro não foi realizada por suas contas registradas na Justiça Eleitoral. A Lei eleitoral somente permitia a campanha paga na Internet por meio do comitê oficial dos candidatos e partidos. A campanha bolsonarista foi distribuída e mobilizou apoiadores, empresários regionais e locais, somada a grandes esquemas de compra de cadastros e soluções de big data. Por isso, Steve Banon, estrategista de Trump e um dos dirigentes da Cambridge Analytica, apareceu em encontros com um dos filhos de Bolsonaro. Diversos disparos massivos foram realizados para cadastros microsegmentados adquiridos de empresas de marketing digital, no Brasil e no exterior.

O uso do Whatsapp não explica a vitória de Bolsonaro. O processo de suspensão da realidade, de interdição do debate, o discurso contra a discussão de soluções políticas, foi empregado junto com um amplo e minucioso conjunto de ataques e campanhas de desinformação. Dificilmente daria certo, se Bolsonaro tivesse que debater as soluções para o país. Por que essa estratégia de desinformação não deu certo no Nordeste? Principalmente, porque lá, os efeitos concretos de redução da miséria e de melhoria das condições de vida dos governos de centro-esquerda não poderiam ser anulados por discursos morais ou de ataques a Lula. Todavia, o “kit gay” teve um efeito grande nas camadas da baixa classe média nordestina.”