Capítulo 3 – AMEAÇAS2019-01-30T12:34:52-02:00
Reprodução de cópia digital da obra Nobody Knows Why, dos Irmãos Chapman, 2003.
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A Violência da Desinformação e os Ataques a Comunicadores no Brasil em 2018

Por |janeiro 22nd, 2019|Categorias: C3|Tags: , , , , |Comentários desativados em A Violência da Desinformação e os Ataques a Comunicadores no Brasil em 2018

“Os guardiões e a guerra à verdade”. Assim a revista americana Time nomeou sua tradicional matéria anual em que elege a pessoa do ano. Na capa, após o título, nomes de diversos jornalistas de todo o mundo, vítimas de ataques, ameaças, perseguições e assassinatos. Foram estas as pessoas do ano em 2018.

A escolha não é simples homenagem, mas um alerta. De acordo com o registro de entidades diversas como Unesco, Comitê de Proteção a Jornalistas e Press Emblem Campaign, a violência contra jornalistas apresentou números alarmantes em 2018.

No Brasil a situação não é diferente. Eventos chave como a greve dos caminhoneiros e, especialmente, o processo eleitoral, desencadearam inúmeros casos de ataques a profissionais da comunicação por todo o país. E a ascensão das notícias falsas e seu papel nas eleições constituem um cenário particular dessas violações.

Jornalistas sofreram ataques justamente por sua atuação contra a desinformação, seja por seu trabalho como checadores ou pela investigação dos contextos de produção e disseminação de notícias falsas. Há situações ainda em que, mesmo não tendo atuado no combate ou investigação da desinformação, comunicadores se tornaram alvo de notícias falsas a seu próprio respeito.

O ambiente on-line é o campo principal desses ataques, que se dão de formas diversas. Vale notar que nesse espaço o limite entre público e o privado é difícil de distinguir, sendo que comunicadores frequentemente se valem de seus perfis pessoais em redes sociais para divulgar suas produções jornalísticas ou mesmo emitir opiniões. É justamente através desses perfis que boa parte das violações se dá, como ofensas em massa, invasão das contas, ameaças de agressão ou mesmo de morte.

Os amplos espaços de discussão que redes sociais constituem mostram inclusive que as violações envolvem reivindicações de sentido diversas para termos como “liberdade de expressão” e “censura”. Estes são termos em disputa, mobilizados com frequência por violadores para justificar suas ações. Para muitos, as ofensas e a descredibilização de comunicadores são formas de uso da liberdade de expressão; consequentemente, impedir ou coibir tais manifestações seria censura. As reações contrárias ao trabalho das agências de checagem de fatos são exemplo particular dessa disputa, uma vez que o próprio procedimento de checagem é taxado de censura.

Apresentamos aqui uma breve análise destes cenários em que o combate à desinformação serviu de pretexto para que comunicadores fossem atacados. Nosso propósito não é consolidar dados da totalidade destas ocorrências, tampouco afirmar que os casos aqui mostrados sejam mais relevantes do que outros. Trata-se, sobretudo, de ilustrar os contextos diversos em que estas violações ocorreram e a diversidade de suas formas. Dando visibilidade a tais formas de violência, podemos não apenas reconhecer sua existência, mas abrir caminhos para compreender suas causas e consequências.

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“Quem Checa os Checadores?”

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Repetida exaustivamente por parte do público que se deparou com o trabalho das agências de checagem, a frase “quem checa os checadores?” seria levada a cabo de forma peculiar em 2018.

No mês de maio, o Facebook realizou uma parceria com as agências brasileiras Lupa e Aos Fatos tornando-as parte do programa de verificação de notícias da rede social. A proposta do programa é que notícias veiculadas no Facebook e denunciadas como falsas pela comunidade sejam remetidas aos checadores para que avaliam sua veracidade.

Caso confirmem que se trata de conteúdo falso, o Facebook passa a reduzir a distribuição orgânica desse conteúdo, diminuindo seu alcance aos usuários da rede. Os próprios textos das checagens também podem ser associados a publicação que foi analisada, aparecendo junto a esta como “artigo relacionado” no feed de notícias do usuário.

Além disso, a rede social notifica os produtores desse conteúdo quando suas publicações são submetidas a checagem. Uma vez que a publicação seja classificada como falsa, seus produtores não podem mais pagar para impulsioná-la e, assim, ampliar o público alcançado.

Embora inédita no Brasil, esta colaboração entre Facebook e agências de checagem já vinha ocorrendo em 13 outros países desde dezembro de 2016. É uma das medidas adotadas pela rede social após sua responsabilização como espaço de disseminação de desinformação.

Por aqui, contudo, a medida foi recebida com forte reação contrária, surpreendendo a própria equipe do Facebook. Questionamentos sobre a legitimidade do trabalho das agências foram logo levantados em ambos os lados do espectro político, bem como acusações de que o acordo lhes daria poder de censurar determinados indivíduos e grupos.

Entretanto, não foi apenas no plano do debate sobre os poderes e limites da checagem que as reações se deram. Eis que entra em marcha a “checagem de checadores”.

Profissionais de agências de checagem foram alvo de ofensa e difamação massiva nas redes sociais. Destaca-se nesse episódio a produção de um documento intitulado “Auditoria de Viés Partidário dos Censores”, cuja elaboração é atribuída a um grupo denominado Frente pela Liberdade de Expressão no Facebook.

O texto, divulgado nas redes, constitui uma espécie de dossiê que visa apontar, segundo dito na primeira de suas 299 páginas, o viés ideológico dos membros das agências de checagem Lupa, Aos Fatos e da Agência Pública de jornalismo, onde também opera uma agência de checagem, a Truco. Além destes, são expostos acadêmicos, influenciadores e jornalistas que seriam figuras principais na  “hierarquia de censores”.

Ao longo de suas 299 páginas, o documento expõe imagens capturadas dos perfis destas pessoas (fotos, publicações escritas ou republicação de conteúdos de terceiros) que permitiriam classificá-las como sendo de esquerda ou extrema esquerda. Com isso, ataca a credibilidade do trabalho dos checadores para acusá-los de, em conluio com o Facebook, promoverem um ciclo de censura a conteúdos de direita.

A publicização de documentos como este dossiê promove uma forma depreciativa e difamatória de visibilidade aos comunicadores. Independente dos propósitos com que justifique sua existência, o documento motiva posturas de ataque e exposição ofensiva das pessoas que retrata, e reafirma uma postura de descredibilizar comunicadores ignorando os critérios que fundamentam seu trabalho nas agências de checagem.

O episódio ilustra uma face dos dilemas de credibilidade do jornalismo. O questionamento dos checadores enquanto figuras pessoais e seu trabalho mostra ter por trás uma concepção de credibilidade vinculada à figura pessoal do repórter e suas eventuais preferências pessoais, como se este fosse incapaz de atuar em nome de critérios profissionais que se sobreponham a estas preferências. Em suma, aqueles que questionam o trabalho dos checadores desconsideram os critérios que devem orientar esta prática.

2201, 2019

Investigando a Desinformação

Por |janeiro 22nd, 2019|Categorias: C3|Tags: , , , , , , |Comentários desativados em Investigando a Desinformação

A produção de desinformação e sua disseminação revela-se uma indústria poderosa, onde circulam altos investimentos com interesses econômicos e políticos. A descoberta e publicização de quem são os diferentes atores e grupos envolvidos nessa atividade, como agem e quais seus interesses é fruto de jornalismo investigativo, e 2018 foi um ano rico em pautas desta natureza.

Duas grandes reportagens esmiuçaram aspectos relevantes da produção e circulação de desinformação no Brasil. A matéria “Exército de Pinóquios”, publicada por Helena Borges na capa da edição de 23 de abril da Revista Época, investiga o funcionamento dos maiores sites divulgadores de notícias falsas no país.

Já em 18 de outubro, no período eleitoral, a repórter da Folha de São Paulo Patrícia Campos Mello revela que empresários teriam financiado o disparo de mensagens em massa via WhatsApp contra o Partido do Trabalhadores. Ambas as jornalistas sofreram ataques diversos em razão destas publicações.

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A reportagem de Helena Borges, capa da revista acabou lhe conferindo lugar de destaque no dossiê contra comunicadores, sendo identificada como uma das principais responsáveis pelo suposto movimento de censura. Desde antes a jornalista já era alvo de ataques online, mas a capa da Época e o consequente dossiê difamatório levariam a intensificação do fluxo de mensagens públicas e privadas recebidas em suas redes sociais.

Segundo relata, os ataques são diversos: desde envio de fotos constrangedoras até ofensas e ameaças de violência. Há violadores que parecem se valer de perfis falsos ou que tratam as ameaças que realizam em tom de brincadeira.

No ambiente online, a possibilidade do contato anônimo e simples e rápida nos vários espaços de comunicação disponíveis: sejam redes sociais, caixas de e-mail, WhatsApp ou espaços de comentários de notícias. Em todos esses espaços há ocorrências de ofensas e ameaças contra comunicadores já identificados pela Artigo 19.

Dentre outros comunicadores que passaram por tais situações contatados por nós, uma percepção é recorrente: ainda que possa soar casual, momentânea ou fugaz, como saber a real intenção por trás de uma ameaça? O medo e desconforto, e a sensação de que há interessados em calar o comunicador são concretos.

Helena opta por bloquear e denunciar os perfis que a ela se dirigem. Mesmo constante, a presença de violadores não a impede de seguir com seu trabalho jornalístico.

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Diversas formas de ataques promovidas por inúmeras pessoas não demorariam a chegar a Patrícia Campos Mello. Ofensas passaram a chegar por e-mail e em suas contas no Twitter e Facebook. Ligações telefônicas com ameaças também ocorreram.

Sua conta de WhatsApp aplicativo também foi invadida, mensagens pessoais foram apagadas e mensagens em apoio ao então presidenciável Jair Bolsonaro foram enviadas em seu nome para seus contatos.

Segundo a própria Folha, após a reportagem publicada pela jornalista, um dos números de WhatsApp mantidos pelo jornal recebeu entre os dias 19 e 23 de outubro mais de 220 mil mensagens de cerca de 50 mil contas do aplicativo.

Em grupos de apoio a Jair Bolsonaro, frequentadores começaram a investigar eventos nos quais Patrícia havia sido convidada como palestrante, sugerindo que houvesse presença massiva de pessoas no local para constrangê-la. Considerando que a ação fosse ocorrer de fato, a jornalista cancelou diversos desses compromissos.

À Artigo 19, Patrícia declarou que esta situação de ataques e agressões incontáveis produziu forte abalo psicológico. Todos os dias centenas de mensagens agressivas chegavam a ela por canais diversos, produzindo sensação de perseguição inédita para a repórter, que já atuou inclusive como correspondente de guerra.

Uma reflexão da repórter aponta para um elemento importante a ser considerado na motivação de ataques como o que recebeu: causou-lhe espanto que a difamação que passou tenha se dado por um trabalho de reportagem, e não por uma coluna de opinião, o que pode servir de indício da rejeição generalizada de parte da opinião pública ao trabalho de determinados setores da imprensa. Para ela, este tipo de fenômeno pode promover, inclusive, a autocensura em jornalistas.

Para Patrícia, o que passou foi uma campanha de difamação, cuja intensidade e teor também dizem respeito ao fato de ser mulher. Ela questiona se a situação teria se dado da mesma forma caso se tratasse de um homem.

Os casos de Patrícia e Helena ilustram com clareza aspectos particulares das violações que mulheres comunicadoras sofrem em seu trabalho. Esses relatos se somam aos casos de muitas outras comunicadoras acompanhados pela Artigo 19 em demais contextos, mostrando que há efetivamente um viés de gênero no que tange a violência contra profissionais da comunicação.

Se, de modo geral, os ataques nas redes contra comunicadores se caracterizam por ofensas, ameaças e descredibilização profissional, contra mulheres acentua-se o caráter sexista e pessoal destas violações. Aí surgem mensagens com conotação sexual, como ameaças de estupro e demais violências; ameaças a filhos e família; e comentários sobre a imagem pessoal. Se, como apontamos aqui, a dimensão privada da vida de comunicadores mostra-se cada vez mais entremeada em sua vida profissional, é preciso reconhecer que para as mulheres na comunicação, esta exposição é carregada de violências próprias.

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A reportagem de Patrícia abriu caminho para o desenvolvimento de mais pautas a respeito da compra de disparos de mensagens. Num desses desdobramentos, o repórter Ricardo Galhardo, do jornal Estado de São Paulo, entrou em contato com o empresário Luciano Hang, da rede de lojas Havan, para que se pronunciasse sobre o caso. Segundo o texto de Patrícia, a Havan estaria entre as compradoras dos pacotes de mensagens.

Incomodado com a procura, o empresário acabou divulgando publicamente em sua conta no Twitter o telefone pessoal de Galhardo. Ali, declarou que a apuração do repórter seria uma tentativa de “querer vincular o envio de mensagens de texto da Havan a clientes com política”.

Em declaração à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), Galhardo contou ter sido xingado por Hang quando lhe telefonou e que o empresário havia lhe dito que divulgaria o número do jornalista nas redes. Cumprida a ameaça, Galhardo passou a receber mensagens agressivas no WhatsApp daqueles que puderam acessar a postagem do empreśario, posteriormente removida pelo Twitter.

2201, 2019

A Mentira Como Arma Narrativa

Por |janeiro 22nd, 2019|Categorias: C3|Tags: , , , , , |Comentários desativados em A Mentira Como Arma Narrativa

A desinformação é ela própria uma forma de ataque a comunicadores quando estes se tornam objeto de informações falsas e boatos com o objetivo de ofendê-los e depreciá-los. A situação é motivada seja pelo incômodo com uma reportagem ou com opiniões e análises feita pelo profissional nas mídias.

Dois casos do período eleitoral ilustram bem o procedimento: as histórias criadas sobre Leonardo Sakamoto, diretor da ONG repórter Brasil, e Miriam Leitão, jornalista do grupo Globo.

Sakamoto é alvo constante de ataques, tendo sofrido agressões e ameaças de morte seguidas vezes por seu trabalho. Neste caso, porém, um boato foi atribuído ao jornalista no contexto da colaboração das agências de checagem de fatos com o Facebook.

Além de figurar no dossiê de checadores como um dos mentores intelectuais dos ditos censores, circularam nas redes sociais textos e comentários mencionando Sakamoto como gestor das agências de checagem e como alguém que teria sido pessoalmente contratado pelo Facebook para o trabalho de checagem de notícias.

A veiculação pulverizada dessas informações falsa serviu de pretexto para novas ofensas e ameaças, como relatou o jornalista em seu blog num texto em que desmente as acusações.

O caso de Miriam Leitão envolve outra forma de se produzir desinformação. Uma foto da jornalista passou a circular também nas redes sociais e WhatsApp acompanhada de uma mensagem falsa, que atribui a ela participação num assalto a mão armada a um banco em 1968.

A foto é verdadeira, sendo da ocasião em que a jornalista foi presa por razões políticas em 1972, mas sua associação ao evento do assalto a banco é falsa, conforme checagem do portal G1 em seu projeto “Fato ou Fake”. Outros veículos voltados a desmentir informações inverídicas, como o portal boatos.org também analisaram a publicação, mostrando que ela segue diversos traços das notícias falsas: “vaga, alarmista e sem citar fontes confiáveis.

Vale notar como a produção de mentiras sobre comunicadores segue o roteiro dos ataques online. A informação falsa é o primeiro evento de uma sequência. Ela em si já se constitui uma forma de difamação e descredibilização de alguém, mas sua circulação nas redes estimula reações de leitores, que passam às ofensas (e,eventualmente, ameaças) públicas e privadas aos comunicadores.

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A produção de desinformação está em constante transformação, possuindo estratégias e formas diversas. Recentemente tem-se observado a proliferação de perfis falsos nas redes sociais imitando veículos tradicionais ou mesmo comunicadores. Apresentando-se como sátiras e paródias, muitos desses perfis apresentam diferenças mínimas em relação às pessoas ou instituições que mimetizam. Dentre os recursos textuais usados em redes como o Twitter, por exemplo, está a inserção do emoji que representa um ciclone ao lado do nome do usuário, imitando o símbolo usado pela plataforma para identificar uma conta verificada, ou seja, aquela em que está confirmada a autenticidade de um usuário, veículo, ou instituição.

Com os casos trazidos aqui, procuramos mostrar que produção, circulação recepção e investigação da desinformação envolvem não apenas ataques aos fatos,  mas também a comunicadores. Por um lado, investigar e combater a desinformação motivou ataques contra jornalistas; por outro, a desinformação é também usada como forma de atingi-los.  Se o ambiente online é palco principal destas violações, suas causas, formas de ocorrência e consequências não podem ser negligenciadas e precisam ser compreendidas.

Além da possibilidade que ameaças de violência e morte efetivamente se concretizem, a perturbação psicológica, imposição de medo e perseguição pessoal produzidas pelos ataques já são tentativas concretas de silenciamento. O ambiente online propicia que comunicadores estejam diante de uma comunidade de espectadores, leitores e ouvintes sem mediações. Se isso cria novos  canais de interação e de produção e troca comunicativa entre comunicadores e público, também aumenta a exposição pública dessas pessoas e sua vulnerabilidade.

Outro traço marcantes das investidas diversas contra comunicadores é a tentativa de minar a credibilidade do trabalho jornalístico. Em nome de preferências pessoais, violadores sufocam critérios que orientam estas produções – como o respeito aos fatos e a presença do contraditório – para justificar um combate à imprensa. Compreender esse mecanismo e suas motivações é tarefa das mais atuais, pois a partir dele uma questão se coloca: como então justificar a relevância do jornalismo e se contrapor a sua descredibilização?

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