Plataformas de redes sociais devem ser transparentes quando atuarem para além de sua responsabilidade legal

Após denúncia do jornal Folha de S. Paulo sobre a difusão ilegal de mensagens contra o PT por meio do aplicativo WhatsApp, a empresa proativamente decidiu banir centenas de milhares de contas. A decisão afetou perfis suspeitos de distribuir notícias falsas, assim como números de agências de publicidade que estariam comercializando os disparos em massa. As contas atingidas teriam sido identificadas por meio de um mecanismo utilizado para detectar comportamentos anormais na plataforma, como o compartilhamento de spam. A empresa também teria notificado quatro agências suspeitas de fazerem uso irregular do aplicativo durante as eleições.

Não houve detalhamento da ação por parte do WhatsApp e as informações disponíveis foram divulgadas pela imprensa sem dados exatos sobre o número de usuários afetados, as medidas tomadas para não afetar perfis legítimos, as bases para o bloqueio e as possibilidades de questionamento da ação. Imagens de usuários bloqueados divulgadas nas redes sociais mostravam a orientação de contatar o suporte da empresa para mais informações. As notas sobre o caso reproduzidas em alguns meios não foram encontradas na íntegra na página oficial do aplicativo.

O senador eleito Flávio Bolsonaro foi um dos que denunciou que sua conta havia sido afetada pelo bloqueio. A empresa afirmou que a ação teria ocorrido por comportamento de spam, o que seria vedado na plataforma. A conta foi reativada após alguns dias da reclamação dele via Twitter.

Ainda que os Termos de Uso do WhatsApp contenham a previsão de bloqueio de contas em caso de disseminação de mensagens automáticas e em massa, é importante que esses documentos sejam claros e facilmente acessíveis por parte dos usuários para que possam estar de fato informados sobre os usos possíveis ou não da plataforma. A apresentação de exemplos sobre usos permitidos ou não da plataforma também seria uma boa prática nesse sentido.

Trecho dos Termos de Uso do WhatsApp de 25 de agosto de 2016.

O WhatsApp esteve no centro das discussões sobre a disseminação de desinformação durante as eleições. Por conta das denúncias de irregularidades por parte do jornal Folha de S. Paulo, houve manifestações de partidos em favor da anulação das eleições dado o cenário irregularidades e abuso de poder econômico e exigindo do TSE providências para evitar o compartilhamento de notícias falsas pelo aplicativo de mensagens.

Além disso, um estudo divulgado antes do primeiro turno indicou que apenas 8% das imagens enviadas em grupos do WhatsApp era verdadeira. A amostra incluiu as 50 imagens mais compartilhadas em um conjunto de 347 grupos analisados no período de 16 de setembro e 7 de outubro, das quais quatro foram consideradas verdadeiras. Na ocasião, os responsáveis pela pesquisa, Pablo Ortellado, da Universidade de São Paulo (USP), Fabrício Benevenuto, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e a Agência Lupa, sugeriram que o WhatsApp adotasse medidas para restringir a desinformação durante as eleições, como: restringir os encaminhamentos de conteúdos, restringir o alcance das listas de transmissão e limitar o tamanho de novos grupos no aplicativo. O WhatsApp respondeu que não haveria tempo para implementar as mudanças sugeridas.

Junto com outras grandes empresas de Internet, o WhatsApp foi convidado a participar de uma reunião com autoridades no TSE a poucos dias das eleições. Frente ao cenário de denúncias de irregularidades no uso da plataforma, ao bloqueio de contas e às demandas da academia e de partidos políticos de medidas para restringir a desinformação, seria uma oportunidade importante para a prestação de contas às autoridades e ao público. No entanto, segundo relato de uma jornalista presente na reunião, a empresa optou por não enviar um representante ao Brasil e se restringiu a dar poucas declarações sem ouvir os demais presentes.

Após as eleições, a empresa foi questionada pelo TSE sobre pagamentos por parte da campanha do presidente eleitor Jair Bolsonaro. Em resposta, segundo informaram órgãos de imprensa, a empresa declarou que “opera um aplicativo de envio de mensagens privadas e, portanto, não ‘impulsiona conteúdo na rede mundial de computadores’ em favor de qualquer partido político. Logo, o WhatsApp não foi contratado pela campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro para fornecer ‘serviços de impulsionamento de conteúdo na rede mundial de computadores’ em seu favor e, por isso, não possui as informações requisitadas por esse Egrégio Tribunal Superior Eleitoral”.

Em uma situação complexa e frente a denúncias de irregularidades como as ocorridas no segundo turno das eleições de 2018, ações pró-ativas por parte das empresas provedoras de aplicativos podem contribuir com o combate à desinformação. No entanto, é fundamental que haja transparência sobre este tipo de medida unilateral, uma vez que pode afetar a possibilidade de acesso à informação e a liberdade de expressão de milhares de pessoas, constituindo-se em uma espécie de censura privada.

Plataformas de redes sociais devem ser transparentes quando atuarem para além de sua responsabilidade legal2019-01-29T18:08:52-02:00

Investigando a Desinformação

A produção de desinformação e sua disseminação revela-se uma indústria poderosa, onde circulam altos investimentos com interesses econômicos e políticos. A descoberta e publicização de quem são os diferentes atores e grupos envolvidos nessa atividade, como agem e quais seus interesses é fruto de jornalismo investigativo, e 2018 foi um ano rico em pautas desta natureza.

Duas grandes reportagens esmiuçaram aspectos relevantes da produção e circulação de desinformação no Brasil. A matéria “Exército de Pinóquios”, publicada por Helena Borges na capa da edição de 23 de abril da Revista Época, investiga o funcionamento dos maiores sites divulgadores de notícias falsas no país.

Já em 18 de outubro, no período eleitoral, a repórter da Folha de São Paulo Patrícia Campos Mello revela que empresários teriam financiado o disparo de mensagens em massa via WhatsApp contra o Partido do Trabalhadores. Ambas as jornalistas sofreram ataques diversos em razão destas publicações.

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A reportagem de Helena Borges, capa da revista acabou lhe conferindo lugar de destaque no dossiê contra comunicadores, sendo identificada como uma das principais responsáveis pelo suposto movimento de censura. Desde antes a jornalista já era alvo de ataques online, mas a capa da Época e o consequente dossiê difamatório levariam a intensificação do fluxo de mensagens públicas e privadas recebidas em suas redes sociais.

Segundo relata, os ataques são diversos: desde envio de fotos constrangedoras até ofensas e ameaças de violência. Há violadores que parecem se valer de perfis falsos ou que tratam as ameaças que realizam em tom de brincadeira.

No ambiente online, a possibilidade do contato anônimo e simples e rápida nos vários espaços de comunicação disponíveis: sejam redes sociais, caixas de e-mail, WhatsApp ou espaços de comentários de notícias. Em todos esses espaços há ocorrências de ofensas e ameaças contra comunicadores já identificados pela Artigo 19.

Dentre outros comunicadores que passaram por tais situações contatados por nós, uma percepção é recorrente: ainda que possa soar casual, momentânea ou fugaz, como saber a real intenção por trás de uma ameaça? O medo e desconforto, e a sensação de que há interessados em calar o comunicador são concretos.

Helena opta por bloquear e denunciar os perfis que a ela se dirigem. Mesmo constante, a presença de violadores não a impede de seguir com seu trabalho jornalístico.

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Diversas formas de ataques promovidas por inúmeras pessoas não demorariam a chegar a Patrícia Campos Mello. Ofensas passaram a chegar por e-mail e em suas contas no Twitter e Facebook. Ligações telefônicas com ameaças também ocorreram.

Sua conta de WhatsApp aplicativo também foi invadida, mensagens pessoais foram apagadas e mensagens em apoio ao então presidenciável Jair Bolsonaro foram enviadas em seu nome para seus contatos.

Segundo a própria Folha, após a reportagem publicada pela jornalista, um dos números de WhatsApp mantidos pelo jornal recebeu entre os dias 19 e 23 de outubro mais de 220 mil mensagens de cerca de 50 mil contas do aplicativo.

Em grupos de apoio a Jair Bolsonaro, frequentadores começaram a investigar eventos nos quais Patrícia havia sido convidada como palestrante, sugerindo que houvesse presença massiva de pessoas no local para constrangê-la. Considerando que a ação fosse ocorrer de fato, a jornalista cancelou diversos desses compromissos.

À Artigo 19, Patrícia declarou que esta situação de ataques e agressões incontáveis produziu forte abalo psicológico. Todos os dias centenas de mensagens agressivas chegavam a ela por canais diversos, produzindo sensação de perseguição inédita para a repórter, que já atuou inclusive como correspondente de guerra.

Uma reflexão da repórter aponta para um elemento importante a ser considerado na motivação de ataques como o que recebeu: causou-lhe espanto que a difamação que passou tenha se dado por um trabalho de reportagem, e não por uma coluna de opinião, o que pode servir de indício da rejeição generalizada de parte da opinião pública ao trabalho de determinados setores da imprensa. Para ela, este tipo de fenômeno pode promover, inclusive, a autocensura em jornalistas.

Para Patrícia, o que passou foi uma campanha de difamação, cuja intensidade e teor também dizem respeito ao fato de ser mulher. Ela questiona se a situação teria se dado da mesma forma caso se tratasse de um homem.

Os casos de Patrícia e Helena ilustram com clareza aspectos particulares das violações que mulheres comunicadoras sofrem em seu trabalho. Esses relatos se somam aos casos de muitas outras comunicadoras acompanhados pela Artigo 19 em demais contextos, mostrando que há efetivamente um viés de gênero no que tange a violência contra profissionais da comunicação.

Se, de modo geral, os ataques nas redes contra comunicadores se caracterizam por ofensas, ameaças e descredibilização profissional, contra mulheres acentua-se o caráter sexista e pessoal destas violações. Aí surgem mensagens com conotação sexual, como ameaças de estupro e demais violências; ameaças a filhos e família; e comentários sobre a imagem pessoal. Se, como apontamos aqui, a dimensão privada da vida de comunicadores mostra-se cada vez mais entremeada em sua vida profissional, é preciso reconhecer que para as mulheres na comunicação, esta exposição é carregada de violências próprias.

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A reportagem de Patrícia abriu caminho para o desenvolvimento de mais pautas a respeito da compra de disparos de mensagens. Num desses desdobramentos, o repórter Ricardo Galhardo, do jornal Estado de São Paulo, entrou em contato com o empresário Luciano Hang, da rede de lojas Havan, para que se pronunciasse sobre o caso. Segundo o texto de Patrícia, a Havan estaria entre as compradoras dos pacotes de mensagens.

Incomodado com a procura, o empresário acabou divulgando publicamente em sua conta no Twitter o telefone pessoal de Galhardo. Ali, declarou que a apuração do repórter seria uma tentativa de “querer vincular o envio de mensagens de texto da Havan a clientes com política”.

Em declaração à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), Galhardo contou ter sido xingado por Hang quando lhe telefonou e que o empresário havia lhe dito que divulgaria o número do jornalista nas redes. Cumprida a ameaça, Galhardo passou a receber mensagens agressivas no WhatsApp daqueles que puderam acessar a postagem do empreśario, posteriormente removida pelo Twitter.

Investigando a Desinformação2019-01-28T16:48:03-02:00
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