A Violência da Desinformação e os Ataques a Comunicadores no Brasil em 2018

“Os guardiões e a guerra à verdade”. Assim a revista americana Time nomeou sua tradicional matéria anual em que elege a pessoa do ano. Na capa, após o título, nomes de diversos jornalistas de todo o mundo, vítimas de ataques, ameaças, perseguições e assassinatos. Foram estas as pessoas do ano em 2018.

A escolha não é simples homenagem, mas um alerta. De acordo com o registro de entidades diversas como Unesco, Comitê de Proteção a Jornalistas e Press Emblem Campaign, a violência contra jornalistas apresentou números alarmantes em 2018.

No Brasil a situação não é diferente. Eventos chave como a greve dos caminhoneiros e, especialmente, o processo eleitoral, desencadearam inúmeros casos de ataques a profissionais da comunicação por todo o país. E a ascensão das notícias falsas e seu papel nas eleições constituem um cenário particular dessas violações.

Jornalistas sofreram ataques justamente por sua atuação contra a desinformação, seja por seu trabalho como checadores ou pela investigação dos contextos de produção e disseminação de notícias falsas. Há situações ainda em que, mesmo não tendo atuado no combate ou investigação da desinformação, comunicadores se tornaram alvo de notícias falsas a seu próprio respeito.

O ambiente on-line é o campo principal desses ataques, que se dão de formas diversas. Vale notar que nesse espaço o limite entre público e o privado é difícil de distinguir, sendo que comunicadores frequentemente se valem de seus perfis pessoais em redes sociais para divulgar suas produções jornalísticas ou mesmo emitir opiniões. É justamente através desses perfis que boa parte das violações se dá, como ofensas em massa, invasão das contas, ameaças de agressão ou mesmo de morte.

Os amplos espaços de discussão que redes sociais constituem mostram inclusive que as violações envolvem reivindicações de sentido diversas para termos como “liberdade de expressão” e “censura”. Estes são termos em disputa, mobilizados com frequência por violadores para justificar suas ações. Para muitos, as ofensas e a descredibilização de comunicadores são formas de uso da liberdade de expressão; consequentemente, impedir ou coibir tais manifestações seria censura. As reações contrárias ao trabalho das agências de checagem de fatos são exemplo particular dessa disputa, uma vez que o próprio procedimento de checagem é taxado de censura.

Apresentamos aqui uma breve análise destes cenários em que o combate à desinformação serviu de pretexto para que comunicadores fossem atacados. Nosso propósito não é consolidar dados da totalidade destas ocorrências, tampouco afirmar que os casos aqui mostrados sejam mais relevantes do que outros. Trata-se, sobretudo, de ilustrar os contextos diversos em que estas violações ocorreram e a diversidade de suas formas. Dando visibilidade a tais formas de violência, podemos não apenas reconhecer sua existência, mas abrir caminhos para compreender suas causas e consequências.

A Violência da Desinformação e os Ataques a Comunicadores no Brasil em 20182019-01-28T16:38:22-02:00

“Quem Checa os Checadores?”

Repetida exaustivamente por parte do público que se deparou com o trabalho das agências de checagem, a frase “quem checa os checadores?” seria levada a cabo de forma peculiar em 2018.

No mês de maio, o Facebook realizou uma parceria com as agências brasileiras Lupa e Aos Fatos tornando-as parte do programa de verificação de notícias da rede social. A proposta do programa é que notícias veiculadas no Facebook e denunciadas como falsas pela comunidade sejam remetidas aos checadores para que avaliam sua veracidade.

Caso confirmem que se trata de conteúdo falso, o Facebook passa a reduzir a distribuição orgânica desse conteúdo, diminuindo seu alcance aos usuários da rede. Os próprios textos das checagens também podem ser associados a publicação que foi analisada, aparecendo junto a esta como “artigo relacionado” no feed de notícias do usuário.

Além disso, a rede social notifica os produtores desse conteúdo quando suas publicações são submetidas a checagem. Uma vez que a publicação seja classificada como falsa, seus produtores não podem mais pagar para impulsioná-la e, assim, ampliar o público alcançado.

Embora inédita no Brasil, esta colaboração entre Facebook e agências de checagem já vinha ocorrendo em 13 outros países desde dezembro de 2016. É uma das medidas adotadas pela rede social após sua responsabilização como espaço de disseminação de desinformação.

Por aqui, contudo, a medida foi recebida com forte reação contrária, surpreendendo a própria equipe do Facebook. Questionamentos sobre a legitimidade do trabalho das agências foram logo levantados em ambos os lados do espectro político, bem como acusações de que o acordo lhes daria poder de censurar determinados indivíduos e grupos.

Entretanto, não foi apenas no plano do debate sobre os poderes e limites da checagem que as reações se deram. Eis que entra em marcha a “checagem de checadores”.

Profissionais de agências de checagem foram alvo de ofensa e difamação massiva nas redes sociais. Destaca-se nesse episódio a produção de um documento intitulado “Auditoria de Viés Partidário dos Censores”, cuja elaboração é atribuída a um grupo denominado Frente pela Liberdade de Expressão no Facebook.

O texto, divulgado nas redes, constitui uma espécie de dossiê que visa apontar, segundo dito na primeira de suas 299 páginas, o viés ideológico dos membros das agências de checagem Lupa, Aos Fatos e da Agência Pública de jornalismo, onde também opera uma agência de checagem, a Truco. Além destes, são expostos acadêmicos, influenciadores e jornalistas que seriam figuras principais na  “hierarquia de censores”.

Ao longo de suas 299 páginas, o documento expõe imagens capturadas dos perfis destas pessoas (fotos, publicações escritas ou republicação de conteúdos de terceiros) que permitiriam classificá-las como sendo de esquerda ou extrema esquerda. Com isso, ataca a credibilidade do trabalho dos checadores para acusá-los de, em conluio com o Facebook, promoverem um ciclo de censura a conteúdos de direita.

A publicização de documentos como este dossiê promove uma forma depreciativa e difamatória de visibilidade aos comunicadores. Independente dos propósitos com que justifique sua existência, o documento motiva posturas de ataque e exposição ofensiva das pessoas que retrata, e reafirma uma postura de descredibilizar comunicadores ignorando os critérios que fundamentam seu trabalho nas agências de checagem.

O episódio ilustra uma face dos dilemas de credibilidade do jornalismo. O questionamento dos checadores enquanto figuras pessoais e seu trabalho mostra ter por trás uma concepção de credibilidade vinculada à figura pessoal do repórter e suas eventuais preferências pessoais, como se este fosse incapaz de atuar em nome de critérios profissionais que se sobreponham a estas preferências. Em suma, aqueles que questionam o trabalho dos checadores desconsideram os critérios que devem orientar esta prática.

“Quem Checa os Checadores?”2019-01-28T16:45:35-02:00
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