Sobre artigo19

A ARTIGO 19 é uma organização não-governamental de direitos humanos nascida em 1987, em Londres, com a missão de defender e promover o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo. Seu nome tem origem no 19º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Para Ganhar Escala no WhatsApp

O ganho de escala depende de uma operação ao mesmo tempo artesanal e industrial de disparos, sempre acompanhada por pessoas, muitas pessoas, pois não há como automatizar a ativação de chips, a troca do chip na “chipeira” e outras operações recorrentes e necessárias.

Além de todos os pontos já levantados, ainda há a questão do monitoramento. É impossível, no meio digital, pensar em operações de marketing desta grandeza sem que haja algum tipo de retorno sobre a quantidade de pessoas atingidas, a quantidade de interações, de compartilhamentos, uma análise qualitativa sobre a efetividade das mensagens, entre outras coisas. Em envios de mensagem em massa no WhatsApp, não há, a princípio, nenhum tipo de maneira de acompanhar como o conteúdo foi recebido pelas pessoas. Joga-se a garrafa ao mar esperando que alguém leia e que goste do conteúdo da mensagem.

Especialistas de marketing digital, que já trabalharam em campanhas políticas internacionais recentes, relatam a importância da presença no que eles chamam de “grupos vivos”. Ao contrário dos grupos criados exclusivamente para fins de campanha, como os da iniciativa “Vem de Zap”, os grupos vivos são aqueles em que as pessoas estão organicamente reunidas por afinidades que não apenas aquela imediata de disseminação de conteúdo específico – são os grupos da família, da escola, do trabalho, da igreja e etc.

Nestes grupos, contam os especialistas, é importante que haja um número de celular “infiltrado” para acompanhar as discussões. Este número também estará conectado a uma ferramenta de automação. Porém, neste caso, em vez de enviar mensagens, a ferramenta vai apenas coletar o que está sendo dito, para que se possa analisar tanto os conteúdos compartilhados quanto a reação das pessoas a estes conteúdos. Não adianta os conteúdos circularem apenas nos grupos de apoiadores de um candidato, ele se torna efetivo apenas quando chega aos “grupos vivos” e é bem recebido.

Mas como infiltrar um robô em um grupo vivo? Para os grupos que não são abertos, é preciso que um membro o adicione. Por isso, percebemos que criar uma rede de monitoramento de grupos vivos de WhatsApp não se faz do dia para a noite. É algo que deve ser construído com o tempo e com a participação de pessoas que devem aceitar incluir esses números nos grupos dos quais fazem parte.

Da mesma maneira, o envio de spam generalizado, por mais segmentada que possa ser a lista, em grande quantidade, é menos efetivo do que ter uma mensagem compartilhada por uma pessoa real em um desses grupos vivos. Por isso, é importante criar uma rede de transmissão de conteúdo segmentada, mas apoiada na participação de pessoas reais em vários níveis, de maneira que as mensagens passem de grupo em grupo até chegarem aos grupos vivos e então às pessoas que não estão ativamente ligadas a nenhuma campanha.

Para Ganhar Escala no WhatsApp2019-01-28T10:32:40-02:00

Existe Massificação no WhatsApp Sem Base?

É impossível precisar quais foram as técnicas e ferramentas utilizadas pela campanha vencedora para explorar de maneira tão eficiente a disseminação de conteúdo – informação e desinformação – via WhatsApp mas, a partir das experiências com as quais foi possível abrir contato, é fácil concluir que apenas uma grande máquina de disparos, por maior que seja, montada exclusivamente para a campanha, não seria suficiente para atingir essa efetividade.

O envio em massa de conteúdo, além de muito custoso, só se torna extremamente eficiente quando utilizado em conjunto com outras táticas de distribuição, como a construção de várias redes de transmissão de conteúdo, e com suporte de monitoramento.

Pelos argumentos e evidências apontados, há evidências de que, por mais que houvesse uma estrutura centralizada de produção de informação e desinformação, apoiada em uma rede de sites, blogs e perfis em redes sociais, a disseminação de tais conteúdos no WhatsApp de ter acontecido fortemente de maneira centralizada e descentralizada, com algumas iniciativas valendo-se de técnicas de disparo em massa, mas também com a participação de milhares de militantes orgânicos – auxiliando na transmissão segmentada de conteúdo de grupo em grupo, na moderação e monitoramento e nos contatos com os grupos “vivos”.

Nas críticas e análises publicadas sobre a atuação da campanha vencedora no WhatsApp é comum a ênfase ao uso de automação do envio e de “robôs”, o que de fato já se comprovou. No entanto, pouca ênfase é dada ao processo de construção de uma rede de transmissão e monitoramento que, provavelmente, levou anos para ser montada – o que não significa que foi montada propositalmente, mas estruturada a partir das relações sociais cotidianas de grupos conservadores.

Os relatos de quem participou de grupos de apoiadores do Bolsonaro durante a campanha, como Viktor Chagas, do CoLAB1, grupo de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), indicam que, apesar de se multiplicarem aos milhares, tais grupos eram sempre moderados de perto. Havia sempre a presença de perfis fazendo a publicação automática de conteúdo, mas com frequência havia interferência e cuidado dos moderadores de entrar em contato com participantes, por meio de mensagem particular, para engajá-los ou expor infiltrados.

Há também relatos de técnicas para implodir grupos quando seu funcionamento foi exposto. Um dos membros do Ativistas com Haddad que acompanhou um grupo de WhatsApp de mulheres evangélicas que discutiam política, relatou que quando as participantes perceberam que um dos números participantes tinha um comportamento suspeito – parecia ser um “robô” – e tal suspeita foi comprovada, enquanto comentavam o fato, o grupo foi inundado de mensagens ofensivas e pornográficas, forçando todas a sair.

As ferramentas de automação e disparo em massa, caras, aparentemente podem servir como apoio ferramental a uma militância grande e engajada. Mas ao que tudo indica é preciso ter uma rede bem articulada e engajada para que a estratégia de disseminação, monitoramento e conversão de opinião de fato aconteça.

Assim, diante de tais análises e dos desafios colocados aos que, de forma partidária ou não, pretendem se engajar na constituição e consolidação de um Estado democrático de direitos no Brasil, é preciso angariar esforços em um trabalho de base para que o fluxo de distribuição de conteúdo com este apelo aconteça. Redes de distribuição de conteúdo continuam extremamente relevantes na era digital e é hora de superar a ideia de que a Internet e as redes sociais (as movidas por algorítmos, ao menos) podem garantir visibilidade às diversas opiniões políticas. O que temos é a capacidade de falar, não de sermos ouvidos.

1Idem 11

Existe Massificação no WhatsApp Sem Base?2019-02-14T17:57:48-02:00

Contexto: Padrões Internacionais

Há tempos a distribuição dos chamados hoaxes – ou boatos – preocupa especialistas em segurança da informação e, inclusive, autoridades policiais. Eles acompanham o desenvolvimento da Internet e são distribuídos na forma de correntes ou spam via e-mail, por meio de aplicativos de mensagens ou redes sociais. Esse tipo de conteúdo geralmente visa persuadir o destinatário a clicar em links que instalam códigos maliciosos em sua máquina e a repassar a mensagem para terceiros que também serão afetados. Exemplos de mensagens desse tipo vão desde promoções e promessas de benefícios diversas à imitação de fontes oficiais legítimas – como bancos ou órgãos governamentais – buscando obter informações pessoais, como e-mail, telefone, senhas e outros dados.

Num contexto de popularização das mídias digitais, a desinformação adquiriu uma nova escala e passou a afetar não só os indivíduos – como no caso dos vírus espalhados por meio de boatos espalhados por correntes –, mas a sociedade como um todo, tendo um impacto na formação da opinião pública. E não foi só por facilitar a disseminação de conteúdos para grandes públicos ao redor do mundo que a Internet contribuiu com o avanço da desinformação.

 

Em 2015, o laboratório Citizen Lab, da Universidade de Toronto, desvendou um esquema organizado de distribuição de códigos maliciosos, desinformação e roubo de informações pessoais que afetava figuras políticas de alto nível e jornalistas em diversos países da América Latina. A pesquisa não conseguiu identificar os responsáveis por detrás desses ataques, mas observou que o grupo atuava na Argentina, Brasil, Equador e Venezuela, pelo menos, desde 2008. Segundo a apuração, a criação de sites e páginas falsas em redes sociais de grupos ou meios de oposição era utilizada como instrumento para a distribuição de códigos maliciosos (malware) e para o roubo de informações.

Entre as vítimas estiveram o procurador federal argentino Alberto Nisman, cujo celular continha um arquivo que permitia o acesso de terceiros a seu e-mail, câmera, entre outros, o jornalista argentino Jorge Lanata e Máximo Kirchner, filho da então presidente da Argentina Cristina Kirchner. Nisman, responsável pela investigação do atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) foi encontrado morto em sua casa em janeiro de 2015. O grupo não conseguiu confirmar se Kirchner de fato foi vítima do mesmo ataque. No Equador, os ataques atingiram jornalistas de alto nível trabalhando em temas nacionais e regionais, organizações da sociedade civil, ativistas e políticos atuando em temas de liberdade de expressão e meio ambiente e membros do Parlamento.

Como no mundo off-line, a receita dos meios digitais comerciais se dá pela publicidade, que é mais valiosa na medida em que atinge mais precisamente um maior público. A audiência, porém, neste caso é medida pela quantidade de acessos a uma determinada página ou visualizações de um conteúdo. Num ambiente em que a informação é potencialmente infinita e a atenção tem de ser disputada, há um incentivo indireto à utilização de técnicas que visem atrair o maior número de cliques possível independente da qualidade dos conteúdos e que incluem o uso de imagens e títulos apelativos.

Essas técnicas são válidas tanto para o jornalismo, quanto para a publicidade – inclusive política. A manipulação da informação em redes sociais e a espionagem de oponentes por meio da instalação de códigos que monitoram suas atividades na Internet como método de campanha política ocorre desde meados dos anos 2000, segundo o colombiano Andrés Sepúlveda.

Em 2005, ele recebeu 15 mil dólares para roubar uma base de contatos do oponente do candidato Álvaro Uribe, na Colômbia, e enviar e-mails com informações falsas. Esse foi seu primeiro trabalho hacker político e mais detalhes sobre sua atuação em diversas campanhas eleitorais na América Latina podem ser encontradas em entrevista que ele deu à revista Bloomberg em 2016. Suas técnicas foram se aprimorando com o tempo e envolviam o controle automatizado de inúmeros perfis falsos em redes sociais. Ele conta que seus objetivos com a manipulação de informação em redes sociais eram “gerar desordem nas outras campanhas, sabotar outras ações, fortalecer o que se estava fazendo na campanha, invisibilizar os oponentes e, acima de tudo, desinformar”.

Sepúlveda participou também da campanha que levou o então candidato, Enrique Peña Nieto, à presidência do México em 2012 e suas atividades incluíam desde a falsificação e clonagem de páginas de Internet e a criação de rumores, até a interceptação de telefones. Capturado em 2014, em 2015 ele foi condenado a dez anos de prisão por uma série de delitos informáticos, incluindo a invasão de computadores e o roubo de dados pessoais. A condenação veio pouco antes das eleições nos Estados Unidos em que o termo “fake news” ia se popularizar nas falas do futuro presidente Donald Trump. A revista Bloomberg denunciou que a campanha de Donald Trump teria tentado contratar o venezuelano Juan José Rendón – principal empregador de Sepúlveda em seus anos de atividade –, mas ele teria se negado a cooperar com o então candidato à presidência. O caso foi detalhado pela revista Fortune. Apesar de ter feito manifestações críticas ao então candidato Trump na época das eleições, Rendón parece ter tentando se aproximar dele quando eleito presidente dos Estados Unidos, segundo o jornal Washington Post.

Contexto: Padrões Internacionais2019-01-29T16:51:48-02:00

Recomendações

Frente à escalada das denúncias de manipulação intencional da informação para fins políticos, afetando – por exemplo – as eleições dos Estados Unidos e o plebicito que decidiria pela saída do Reino Unido da União Europeia (o chamado “Brexit”), especialistas e autoridades internacionais se mobilizaram para compreender o fenômeno e desenvolver recomendações de como respondê-lo.

Em março de 2017, os responsáveis por acompanhar o cumprimento do direito à liberdade de expressão ao redor do mundo se uniram para estabelecer parâmetros a serem observados no combate à desinformação. Juntos, os relatores especiais para a liberdade de expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (ACHPR) publicaram uma Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão, Desinformação e Propaganda expressando sua preocupação com o tema e apontando medidas a serem observadas pelos Estados. Suas opiniões e recomendações se baseiam nos documentos e jurisprudência internacional de direitos humanos.

Na Europa, foi criado um Grupo de Peritos de Alto Nível para analisar a questão das notícias falsas e desinformação on-line. Em seu relatório final, publicado em março de 2018, o Grupo criticou o termo fake news por ter sido apropriado por agentes poderosos que visam desacreditar notícias com as quais discordam. O documento opta pelo termo mais amplo desinformação, que é definido como todas as formas de informações falsas, inexatas ou deturpadas concebidas, apresentadas e promovidas para obter lucro ou para causar um prejuízo público intencional.

Os relatores especiais sobre a liberdade de expressão também se mostraram preocupados com o uso político do termo “fake news” por parte de autoridades com o objetivo de desqualificar  a imprensa e a oposição. Eles ressaltam que esse tipo de discurso pode aumentar o risco de ameaças e violência contra jornalistas e contribuir com a desconfiança do público em relação ao jornalismo como capaz de fiscalizar as ações do poder público. Além disso, confunde a sociedade ao borrar as diferenças entre desinformação e peças noticiosas contendo fatos verificáveis.

Essa retórica tem sido utilizada em diversos países e demonstra alguns dos riscos das propostas de proibição e criminalização da disseminação de conteúdos falsos. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, utilizou esse tipo de argumento contra jornalistas em diversas ocasiões. Ele chegou se referir a veículos de comunicação presentes em uma conferência de imprensa de “organizações de notícias falsas” e a diretamente acusar diversos canais de imprensa de publicarem fake news.

No Brasil, esse tipo de discurso esteve disseminado durante o período eleitoral e houve candidatos que acusaram reportagens investigativas de grandes veículos de imprensa de serem “notícias falsas”. Um caso notório, explorado no capítulo 3, foi o da denúncia de irregularidades na campanha do candidato eleito Jair Bolsonaro por parte do jornal Folha de S. Paulo. Na ocasião, os advogados de Bolsonaro pediram direito de resposta ao TSE alegando que a matéria trazia fatos sabidamente inverídicos. Após a publicação da matéria, a jornalista responsável recebeu ameaças por mensagens e ligações telefônicas e teve sua conta no aplicativo de mensagens WhatsApp invadida.

Tanto os peritos, quanto os relatores especiais reconhecem em suas manifestações que a desinformação traz riscos reais à sociedade e aos direitos humanos na medida em que ameaça processos políticos democráticos e, inclusive, a integridade das eleições. Segundo a Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão, Desinformação e Propaganda, “as campanhas de desinformação (também conhecidas como ‘notícias falsas’ ou ‘fake news’) são muitas vezes concebidas e implementadas com o objetivo de confundir a população e interferir no direito de saber do público e no direito das pessoas de procurar, receber e transmitir informações e ideias de toda natureza – direitos que são garantidos pelos marcos legais internacionais de liberdade de expressão e opinião, independente de fronteiras”. Elas também podem trazer danos à reputação e privacidade individuais ou incitar a violência, discriminação e hostilidade contra determinados grupos sociais.

Por outro lado, manifestam grande preocupação com as medidas restritivas à livre expressão apresentadas em alguns países como resposta ao fenômeno. Os relatores especiais ressaltam, por exemplo, que o direito à liberdade de expressão não se restringe a informações consideradas “corretas” ou “verdadeiras” e manifestações que possam chocar, ofender ou causar distúrbios. Por isso, proibir informações falsas pode ferir os padrões internacionais de direitos humanos.

No Brasil, houve diversos debates sobre o tema envolvendo representantes de governo, empresas, academia e sociedade civil em preparação para as eleições de 2018. Havia diversas preocupações com o papel que a desinformação teria nesse processo e com a possibilidade de censura a manifestações políticas legítimas durante a campanha eleitoral.

Passadas as eleições, seguem ainda em aberto investigações sobre eventuais abusos no uso de redes sociais e aplicativos de mensagens por parte dos candidatos e candidatas. Entre outras questões, o TSE investiga o financiamento ilegal de campanha relacionado ao possível envio ilegal de mensagens por WhatsApp por parte de empresas que apoiavam o então candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro. O esquema foi denunciado pelo jornal Folha de S. Paulo durante o segundo turno das eleições e indicava que empresários estariam disseminando informações negativas sobre o oponente de Bolsonaro, Fernando Haddad, de forma massiva por meio de redes sociais. A denúncia motivou ainda investigação no âmbito penal solicitada à Polícia Federal pelo Ministério Público. A investigação do TSE exigiu manifestação das principais plataformas de mídias sociais sobre a contratação de impulsionamento de conteúdos durante a campanha.

Para além disso, será necessário avaliar o pleito de 2018 e continuar os debates sobre o papel da desinformação no processo eleitoral brasileiro de modo a preparar o país para as eleições de 2020. Do mesmo modo que foram desenvolvidos mecanismos para coibir outras formas de intervenção nas eleições, será importante amadurecer meios para combater a manipulação maliciosa de informações on-line particularmente nesses períodos.

As observações e recomendações dos especialistas internacionais no tema são valiosas para se observar o cenário brasileiro e se pensar no tipo de políticas públicas que deveriam ser priorizadas no país para o futuro. A seguir identificamos algumas recomendações particularmente relevantes no combate à desinformação que podem, ao mesmo tempo, contribuir com um ambiente de respeito à liberdade de expressão. Sua premissa é a de evitar soluções que impliquem em qualquer forma de censura ou que resultem na fragmentação da Internet, que – junto com outras tecnologias digitais – é fundamental para o exercício do acesso à informação e da liberdade de expressão.

Recomendações2019-01-29T17:25:47-02:00

Promover a Comunicação de Interesse Público e um Ambiente de Mídia Livre, Diverso e Independente

O direito à liberdade de expressão implica na obrigação do Estado de garantir um ecossistema de comunicação livre e diverso, assim como de promover um sistema público forte e independente, capaz de estabelecer um alto padrão de jornalismo. A diversidade é fundamental para garantir que diversos pontos de vista sejam considerados na produção da comunicação e pode ser garantida por meio de:

  • Subsídios ou outras formas de financiamento para a produção de conteúdos diversos e de qualidade;
  • Regras proibindo a concentração na propriedade dos meios de comunicação e
  • Regras exigindo transparência dos meios de comunicação sobre sua propriedade.

É importante lembrar que não existe imparcialidade quando se trata da comunicação. Isso não significa que não haja parâmetros para a atuação jornalística, mas sim que diferentes meios ou jornalistas podem priorizar perspectivas distintas sobre determinado fato. A pluralidade de visões, opiniões e ideias é saudável para a democracia e contribui para a formação da opinião pública, inclusive em períodos eleitorais. O problema ocorre quando em um ambiente de concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos predomina uma única visão sobre a realidade.

Em um ambiente permeado pela desinformação, a multiplicidade de fontes é fundamental e a comunicação pública e comunitária deve ser fortalecida, inclusive, com subsídios para a produção de conteúdos. Com isso é possível se garantir que frente a uma notícia duvidosa recebida pelas redes sociais as pessoas terão condições de acessar informações em outros meios de sua confiança e, inclusive, de compartilhar novos fatos em suas comunidades. A promoção da diversidade e da comunicação pública e comunitária deve ser priorizada para garantir um ambiente midiático saudável até as próximas eleições.

Promover a Comunicação de Interesse Público e um Ambiente de Mídia Livre, Diverso e Independente2019-01-28T09:51:20-02:00

Evitar Proibições Genéricas e Responsabilizar Agentes Públicos que Disseminem Informações Sabidamente Falsas ou Duvidosas

Dado o uso estratégico do termo “notícias falsas” por agentes estatais e autoridades públicas para caracterizar qualquer tipo de crítica de opositores ou da imprensa em seu papel legítimo de fiscalizadora, proibições genéricas de disseminação de notícias falsas não são consideradas compatíveis com os padrões internacionais de direitos humanos. Como lembra a Declaração Conjunta dos relatores especiais, restrições a liberdade de expressão só se justificam se (i) forem previstas em lei, (ii) atendam a um interesse reconhecido na legislação internacional e (iii) sejam necessárias e proporcionais à proteção deste interesse. Elas também podem ser impostas para proibir a incitação à violência, discriminação e hostilidade.

A proibição ou criminalização genérica da publicação de conteúdos falsos, conforme proposta em alguns dos projetos de lei sobre o tema que tramitam no Brasil, pode dar margem para a censura de conteúdos opinativos, matérias investigativas e diversos outros tipos de manifestações legítimas. Além disso, pode permitir a vigilância e perseguição de grupos políticos, ativistas de direitos humanos, jornalistas, comunicadores populares ou comunitários, blogueiros e usuários comuns de Internet. Pelos mesmos motivos leis de difamação criminal também são consideradas excessivamente restritivas e deveriam ser abolidas em favor de regras civis.

Devem ser implementadas medidas para proteger indivíduos da responsabilização pelo engajamento com conteúdos dos quais não são autores e que não modificaram nas redes sociais. Do mesmo modo, a responsabilização dos intermediários da Internet só deve ocorrer se houver intervenção no conteúdo ou se eles se recusarem a obedecer uma ordem judicial legítima para a retirada de conteúdos.

Restringir a circulação de informações nos diversos meios de comunicação, inclusive on-line,  favorece a desinformação. Isso não significa que não deva haver nenhum tipo de responsabilização pela difusão de desinformação. De acordo com a Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão, Desinformação e Propaganda, os agentes públicos não devem realizar, apoiar, promover ou difundir declarações que saibam ou deveriam razoavelmente saber serem falsas ou que não sejam baseadas em evidências verificáveis. Em conformidade com as obrigações legais nacionais e internacionais e com suas obrigações públicas, eles devem procurar difundir informações confiáveis, inclusive sobre questões de interesse público como economia, saúde pública, segurança e meio ambiente.

Evitar Proibições Genéricas e Responsabilizar Agentes Públicos que Disseminem Informações Sabidamente Falsas ou Duvidosas2019-01-28T22:32:44-02:00

Reconhecer que os Intermediários na Internet têm a responsabilidade de Respeitar os Direitos Humanos

A Internet é viabilizada por uma série de agentes privados que facilitam a comunicação e expressão on-line. Eles vão desde as empresas de telecomunicação e provedoras de acesso, que garantem a conectividade, até às plataformas de mídias sociais, aplicativos de mensagem, etc. Esses agentes possuem a responsabilidade de respeitar os direitos humanos em suas ações.

Sempre que restringirem conteúdos de terceiros para além do estabelecido em lei, esses intermediários devem seguir políticas claras e pré-determinadas, baseadas em critérios justificáveis e não em objetivos políticos ou ideológicos. Nesse sentido, seus Termos de Uso devem ser claros, detalhados e fáceis de entender. Além disso, deve ser garantido aos usuários afetados pela retirada de conteúdos a possibilidade de questioná-la.

Reconhecer que os Intermediários na Internet têm a responsabilidade de Respeitar os Direitos Humanos2019-01-28T09:46:41-02:00

Promover a Leitura Crítica dos Meios de Comunicação e Maior Transparência

As notícias falsas muitas vezes se apropriam das características formais das notícias tradicionais e, muitas vezes, é difícil identificar que se trata de conteúdo enganoso. Somado ao uso estratégico do termo “fake news” por agentes públicos para desacreditar seus opositores, isso pode confundir as pessoas, levando a uma queda da confiança na mídia e a um cenário em que as pessoas se sentem pouco preparadas para selecionar suas fontes de informação. De fato, distinguir uma notícia verdadeira ou falsa pode ser uma tarefa desafiadora para toda a sociedade.

Compreender os mecanismos de produção da notícia é fundamental para sua recepção crítica, ao mesmo tempo em que incentiva a participação qualificada de novos agentes na produção informativa, e se torna uma capacidade cada vez mais essencial para a cidadania. Os Estados devem priorizar a promoção da leitura crítica de meios como mecanismo de combate à desinformação, incluindo a criação de obrigações curriculares de tratar o tema na educação básica e superior e o desenvolvimento parcerias com a sociedade civil e outros setores para o desenvolvimento de campanhas mais amplas para atingir a população adulta.

Do mesmo modo, uma imprensa mais transparente sobre sua estrutura organizacional, propriedade, recursos publicitários e fontes contribui com a recuperação da credibilidade dos meios de comunicação e a educação crítica da sociedade para a recepção de meios. Conteúdos patrocinados e de propaganda também deveriam ser facilmente identificáveis, inclusive, nos meios digitais. Isso deveria ser associado a iniciativas de transparência por parte das plataformas de mídias sociais fornecendo informações sobre o funcionamento de seus algoritmos, particularmente no que diz respeito aos critérios de visibilidade e distribuição dos conteúdos.

Uma sociedade mais exigente em relação à imprensa incentiva os meios de comunicação a adotarem melhores práticas e aprimorar suas técnicas, assim como a prestar contas de forma mais sistemática ao público. Como ressaltam os peritos da Comissão Europeia, a educação mediática é uma importante ação preventiva contra a disseminação da desinformação e deve ser priorizada nos próximos anos.

Promover a Leitura Crítica dos Meios de Comunicação e Maior Transparência2019-01-28T09:45:32-02:00

Plataformas de redes sociais devem ser transparentes quando atuarem para além de sua responsabilidade legal

Após denúncia do jornal Folha de S. Paulo sobre a difusão ilegal de mensagens contra o PT por meio do aplicativo WhatsApp, a empresa proativamente decidiu banir centenas de milhares de contas. A decisão afetou perfis suspeitos de distribuir notícias falsas, assim como números de agências de publicidade que estariam comercializando os disparos em massa. As contas atingidas teriam sido identificadas por meio de um mecanismo utilizado para detectar comportamentos anormais na plataforma, como o compartilhamento de spam. A empresa também teria notificado quatro agências suspeitas de fazerem uso irregular do aplicativo durante as eleições.

Não houve detalhamento da ação por parte do WhatsApp e as informações disponíveis foram divulgadas pela imprensa sem dados exatos sobre o número de usuários afetados, as medidas tomadas para não afetar perfis legítimos, as bases para o bloqueio e as possibilidades de questionamento da ação. Imagens de usuários bloqueados divulgadas nas redes sociais mostravam a orientação de contatar o suporte da empresa para mais informações. As notas sobre o caso reproduzidas em alguns meios não foram encontradas na íntegra na página oficial do aplicativo.

O senador eleito Flávio Bolsonaro foi um dos que denunciou que sua conta havia sido afetada pelo bloqueio. A empresa afirmou que a ação teria ocorrido por comportamento de spam, o que seria vedado na plataforma. A conta foi reativada após alguns dias da reclamação dele via Twitter.

Ainda que os Termos de Uso do WhatsApp contenham a previsão de bloqueio de contas em caso de disseminação de mensagens automáticas e em massa, é importante que esses documentos sejam claros e facilmente acessíveis por parte dos usuários para que possam estar de fato informados sobre os usos possíveis ou não da plataforma. A apresentação de exemplos sobre usos permitidos ou não da plataforma também seria uma boa prática nesse sentido.

Trecho dos Termos de Uso do WhatsApp de 25 de agosto de 2016.

O WhatsApp esteve no centro das discussões sobre a disseminação de desinformação durante as eleições. Por conta das denúncias de irregularidades por parte do jornal Folha de S. Paulo, houve manifestações de partidos em favor da anulação das eleições dado o cenário irregularidades e abuso de poder econômico e exigindo do TSE providências para evitar o compartilhamento de notícias falsas pelo aplicativo de mensagens.

Além disso, um estudo divulgado antes do primeiro turno indicou que apenas 8% das imagens enviadas em grupos do WhatsApp era verdadeira. A amostra incluiu as 50 imagens mais compartilhadas em um conjunto de 347 grupos analisados no período de 16 de setembro e 7 de outubro, das quais quatro foram consideradas verdadeiras. Na ocasião, os responsáveis pela pesquisa, Pablo Ortellado, da Universidade de São Paulo (USP), Fabrício Benevenuto, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e a Agência Lupa, sugeriram que o WhatsApp adotasse medidas para restringir a desinformação durante as eleições, como: restringir os encaminhamentos de conteúdos, restringir o alcance das listas de transmissão e limitar o tamanho de novos grupos no aplicativo. O WhatsApp respondeu que não haveria tempo para implementar as mudanças sugeridas.

Junto com outras grandes empresas de Internet, o WhatsApp foi convidado a participar de uma reunião com autoridades no TSE a poucos dias das eleições. Frente ao cenário de denúncias de irregularidades no uso da plataforma, ao bloqueio de contas e às demandas da academia e de partidos políticos de medidas para restringir a desinformação, seria uma oportunidade importante para a prestação de contas às autoridades e ao público. No entanto, segundo relato de uma jornalista presente na reunião, a empresa optou por não enviar um representante ao Brasil e se restringiu a dar poucas declarações sem ouvir os demais presentes.

Após as eleições, a empresa foi questionada pelo TSE sobre pagamentos por parte da campanha do presidente eleitor Jair Bolsonaro. Em resposta, segundo informaram órgãos de imprensa, a empresa declarou que “opera um aplicativo de envio de mensagens privadas e, portanto, não ‘impulsiona conteúdo na rede mundial de computadores’ em favor de qualquer partido político. Logo, o WhatsApp não foi contratado pela campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro para fornecer ‘serviços de impulsionamento de conteúdo na rede mundial de computadores’ em seu favor e, por isso, não possui as informações requisitadas por esse Egrégio Tribunal Superior Eleitoral”.

Em uma situação complexa e frente a denúncias de irregularidades como as ocorridas no segundo turno das eleições de 2018, ações pró-ativas por parte das empresas provedoras de aplicativos podem contribuir com o combate à desinformação. No entanto, é fundamental que haja transparência sobre este tipo de medida unilateral, uma vez que pode afetar a possibilidade de acesso à informação e a liberdade de expressão de milhares de pessoas, constituindo-se em uma espécie de censura privada.

Plataformas de redes sociais devem ser transparentes quando atuarem para além de sua responsabilidade legal2019-01-29T18:08:52-02:00

A Violência da Desinformação e os Ataques a Comunicadores no Brasil em 2018

“Os guardiões e a guerra à verdade”. Assim a revista americana Time nomeou sua tradicional matéria anual em que elege a pessoa do ano. Na capa, após o título, nomes de diversos jornalistas de todo o mundo, vítimas de ataques, ameaças, perseguições e assassinatos. Foram estas as pessoas do ano em 2018.

A escolha não é simples homenagem, mas um alerta. De acordo com o registro de entidades diversas como Unesco, Comitê de Proteção a Jornalistas e Press Emblem Campaign, a violência contra jornalistas apresentou números alarmantes em 2018.

No Brasil a situação não é diferente. Eventos chave como a greve dos caminhoneiros e, especialmente, o processo eleitoral, desencadearam inúmeros casos de ataques a profissionais da comunicação por todo o país. E a ascensão das notícias falsas e seu papel nas eleições constituem um cenário particular dessas violações.

Jornalistas sofreram ataques justamente por sua atuação contra a desinformação, seja por seu trabalho como checadores ou pela investigação dos contextos de produção e disseminação de notícias falsas. Há situações ainda em que, mesmo não tendo atuado no combate ou investigação da desinformação, comunicadores se tornaram alvo de notícias falsas a seu próprio respeito.

O ambiente on-line é o campo principal desses ataques, que se dão de formas diversas. Vale notar que nesse espaço o limite entre público e o privado é difícil de distinguir, sendo que comunicadores frequentemente se valem de seus perfis pessoais em redes sociais para divulgar suas produções jornalísticas ou mesmo emitir opiniões. É justamente através desses perfis que boa parte das violações se dá, como ofensas em massa, invasão das contas, ameaças de agressão ou mesmo de morte.

Os amplos espaços de discussão que redes sociais constituem mostram inclusive que as violações envolvem reivindicações de sentido diversas para termos como “liberdade de expressão” e “censura”. Estes são termos em disputa, mobilizados com frequência por violadores para justificar suas ações. Para muitos, as ofensas e a descredibilização de comunicadores são formas de uso da liberdade de expressão; consequentemente, impedir ou coibir tais manifestações seria censura. As reações contrárias ao trabalho das agências de checagem de fatos são exemplo particular dessa disputa, uma vez que o próprio procedimento de checagem é taxado de censura.

Apresentamos aqui uma breve análise destes cenários em que o combate à desinformação serviu de pretexto para que comunicadores fossem atacados. Nosso propósito não é consolidar dados da totalidade destas ocorrências, tampouco afirmar que os casos aqui mostrados sejam mais relevantes do que outros. Trata-se, sobretudo, de ilustrar os contextos diversos em que estas violações ocorreram e a diversidade de suas formas. Dando visibilidade a tais formas de violência, podemos não apenas reconhecer sua existência, mas abrir caminhos para compreender suas causas e consequências.

A Violência da Desinformação e os Ataques a Comunicadores no Brasil em 20182019-01-28T16:38:22-02:00
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