WhatsApp Como Ferramenta de Disseminação de Conteúdo: O Que Aprendemos Com a Campanha Presidencial de 2018
Por Leonardo Germani e Marina Pita
Na virada do primeiro para o segundo turno da campanha para a presidência do Brasil em 2018 ficou evidente que Jair Bolsonaro, candidato do Partido Social Liberal (PSL), e seus defensores, haviam dominado o método de disseminação de conteúdo pelo WhatsApp e o uso da a Internet1 como principal canal de comunicação e mobilização. Frente ao fato, e um tanto impressionados e temerosos, partidos, militantes, movimentos sociais, organizações políticas e pessoas, milhares de pessoas, organizadas politicamente ou não, tomaram a iniciativa de articular uma ação para fazer ecoar no WhatsApp também a campanha de Fernando Haddad, o candidato considerado de esquerda, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e da coligação “O Brasil Feliz de Novo”.
Muitas dessas pessoas compartilhavam a necessidade de se ocupar e, especialmente, reocupar um espaço deixado de lado nos meses anteriores. Conforme o clima de tensão que antecedeu a campanha aumentava, muitos saíram de grupos de WhatsApp dos quais participavam com amigos e familiares. A escalada da polarização, o sentimento de isolamento e a impossibilidade do diálogo eram as principais justificativas para abandonarem esses espaços que, agora, percebiam ser extremamente estratégicos e importantes para a disputa, não só eleitoral, mas da construção do imaginário e da percepção da sociedade sobre as mais diversas questões.
A própria campanha da coligação “Brasil Feliz de Novo” sentiu a desvantagem2 e intensificou as ações no aplicativo. Após o primeiro turno, lançou a iniciativa “Vem de Zap”3. Por meio de sites, divulgavam links para grupos de WhatsApp de distribuição de material de campanha, orientações para a militância e argumentos para rebater os assuntos em alta naquele dia. Nestes grupos, apenas a campanha era autorizada a mandar mensagens, enquanto os demais participantes apenas recebiam e podiam então redistribuir o material. A operação cotidiana dessa tática, porém, mostrou-se bastante complexa, segundo pessoas que participaram do processo. Cada grupo de WhatsApp possui um número máximo de 256 participantes e, cada vez que um grupo lotava, era preciso criar um novo e atualizar o link de convite no site. Isso deveria ser feito ao mesmo tempo que se coordenava o disparo de mensagens para os grupos já existentes – que chegaram a casa dos milhares -, com conteúdo atualizado e respondendo à polêmica do momento. Toda esta operação, segundo as fontes consultadas, foi realizada, de maneira manual e por poucas pessoas.
Mas, para além da iniciativa oficial, muitos grupos e coletivos não envolvidos na campanha de Fernando Haddad de forma profissional, se organizaram, unindo hackers a comunicadores e militantes, para tentar construir, do dia para a noite, alguma solução para explorar de maneira eficiente o universo das mensagens instantâneas. A lacuna de conhecimento de como realizar tal operação, porém, ficou bastante evidente.
Entre as maiores iniciativas, vale menção a “Vamos Virar”, organizada por “um grupo de pessoas de diversos campos de atuação, junto a coletivos de incidência política como Muitas, Bancada Ativista, Vote Nelas, Educafro, Chama, Ocupa Política, entre outros”. A “Vamos Virar” foi uma estratégia para orientar, pelo WhatsApp, a energia de militância que se percebia represada em pessoas comuns, sem histórico de campanha, mas que estavam dispostas e ansiosas para se engajar. Poucas horas após o lançamento da iniciativa, 80 mil pessoas já haviam mandado “Oi” para o número do WhatsApp do coletivo, conforme as instruções para entrar no movimento.
O coletivo, no entanto, encontrou dificuldades em operacionalizar seu modelo de disseminação de conteúdo para milhares de usuários. A empresa que controla o aplicativo vem se esforçando para que o mesmo não seja usado em contexto de disseminação de conteúdo em massa. Em julho de 2018, o WhatsApp anunciou o estabelecimento de um novo limite de compartilhamento de conteúdo para, no máximo, 20 destinatários (sejam eles pessoas ou grupos) com o objetivo de conter a disseminação de boatos e desinformação4. Para mandar para mais pessoas a mesma mensagem, é necessário selecioná-la de novo e daí apontar outros 20 contatos para recebê-las. No caso das listas de transmissão, o WhatsApp permite o envio de mensagens apenas aos usuários que mantêm o contato do remetente registrado no telefone e até o limite de 256 contatos para cada lista, sendo que não há limite para o número de listas que cada número pode criar5. Vale lembrar também que o WhatsApp, diferentemente de outros serviços de mensageria, só funciona atrelado a um número e a um aparelho celular em funcionamento.
A opção do “Vamos Virar” foi então substituir o sistema de distribuição de conteúdo pelo WhatsApp pelo já conhecido, bom e velho, e-mail. Neste formato, conseguiram responder à demanda, mas tiveram um alcance e uma efetividade limitada. E, mais importante, perderam o principal diferencial que gostariam de atingir, de disseminar conteúdos próprios por meio de uma ferramenta que permitisse aos destinatários compartilhar tais conteúdos com seus contatos apenas com alguns cliques.
O perfil do Instagram “ViraVoto”, que fez grande sucesso durante a campanha chegando a centenas de milhares de seguidores6, também realizou uma experiência semelhante ao “Vem de Zap” da campanha oficial, distribuindo conteúdo para as pessoas que voluntariamente entravam em grupos de WhatsApp criados por eles.
Houve ainda iniciativas como o “Ativistas com Haddad”, que utilizava um aplicativo de celular e e-mails para enviar conteúdos e orientações diárias para apoiadores do candidato. A plataforma chegou a mais de 60 mil inscritos em poucos dias de operação, porém não funcionava de maneira bem integrada ao WhatsApp. Para compartilhar vídeos, por exemplo, era preciso enviar links para o Youtube e não era possível compartilhar áudios, quebrando totalmente a experiência de uso do App.
Além disso, o desafio de fazer uma pessoa baixar um novo aplicativo é maior do que se engajar em uma nova atividade em um aplicativo já conhecido. A oferta de uma novo app para a realização de tarefas de campanha ainda esbarra na baixa capacidade de memória de grande parte dos smartphones ativos entre a população brasileira7.
O aplicativo, no entanto, oferecia um canal de retorno aos engajados em angariar votos a Haddad, de forma que era possível produzir conteúdo de acordo com a necessidade de quem estava no contato direto com eleitores, uma vantagem em relação aos grupos ao estilo “canal”, em que não há interação.
O engajamento no aplicativo ao longo do segundo turno, no entanto, foi caindo com o passar dos dias após o lançamento, o que demonstra a dificuldade em manter a atenção dos usuários que baixaram o aplicativo diante da competição com tantos outros canais.
1Antes mesmo do início da campanha presidencial, Bolsonaro já era o candidato com mais seguidores no Facebook, com 5,2 milhões de curtidas. Em março de 2018, a conta do presidenciável no Twitter, plataforma bem menos usada no Brasil, alcançou 1 milhão de seguidores.
FLORES, Paulo. Nexo. Redes sociais e TV: qual o peso de cada meio nas eleições de 2018. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/03/18/Redes-sociais-e-TV-qual-o-peso-de-cada-meio-nas-elei%C3%A7%C3%B5es-de-2018>. Acesso em 10 jan. 2018.
2O fenômeno de divulgação de conteúdo de campanha de Bolsonaro nas redes sociais fez Letícia Cesarino, professora da Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Antropologia pela Universidade da Califórnia, classificar a atuação política do grupo como populismo digital.
3Segundo o site Lula.com.br, o “Vem de Zap” é uma corrente de notícias, fatos e dados, formada por voluntários de todo o Brasil. Em 24 de maio o mesmo site informava a existência de 147 grupos espalhados por todos os estados brasileiros. Disponível em: <https://lula.com.br/vem-pro-zap-do-haddad-organico-de-graca-e-baseado-em-verdades/>
4WhatsApp limita reenvio de mensagens após linchamentos na Índia. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/tecnologia/noticias/redacao/2018/07/20/whatsapp-limita-reenvio-de-mensagens-apos-linchamentos-na-india.htm> Acesso em 20 jan. 2018.
5Conforme página de FAQ que o WhatsApp mantém acerca da ferramenta. Disponível em: <https://faq.whatsapp.com/en/30046788/?lang=pt_br>. Acesso em 20 jan. 2018.
6Em 10 de janeiro de 2019, o perfil registrava 264 mil seguidores. Post publicado no dia 27 de outubro, um dia antes da votação do segundo turno contava com 15.171 curtidas.
7De acordo com Fernando Paiva, diretor do site noticioso especializado em tecnologia móvel no Brasil, Mobile Time, o problema no Brasil é que “os celulares de gama baixa têm pouca memória, o que obriga os consumidores a ficar somente com os apps que realmente mais utilizam, o que gera uma retenção baixa dos aplicativos instalados”. Disponível em: http://www.abessoftware.com.br/noticias/80-dos-brasileiros-com-smartphones-baixaram-um-novo-app-nos-ultimos-30-dias>.
Tecnicamente o Que é Possível Fazer, Afinal?
O que se aprendeu neste processo de investigação e nas diversas tentativas de operar ações em grande escala com WhatsApp, sem aporte financeiro ou humano profissionalizado, foi que não é nada simples utilizar o aplicativo para disseminação de conteúdo em massa. Na verdade, percebeu-se que, uma operação centralizada de escala nacional pode ser inviável.
O WhatsApp não tem como finalidade a transmissão em massa e não oferece ferramentas para isso, nem para usuários, nem para desenvolvedores de software. Ao contrário, o WhatsApp vem adotando mecanismos para evitar que isso seja feito, especialmente por conta da pressão da opinião pública. Além dos fatores já citados, a empresa vem bloqueando números que apresentam comportamento de distribuição de spam. Apenas nas eleições brasileiras foi registrado o bloqueio de centenas de milhares de números na aplicação, conforme informação da empresa1.
Por isso, uma operação em escala no WhatsApp pode ser bastante cara e complexa. Pelo apurado com pessoas familiarizadas no assunto, as ferramentas de disparo utilizadas pelas empresas que vendem este serviço utilizam uma extensão de navegador que automatiza a operação do “WhatsApp Web” como um robô. No entanto, as mensagens continuam sendo enviadas uma a uma. O processo é automatizado, mas não é instantâneo.
Uma das empresas com que tivemos contato durante a campanha presidencial alegava que seu sistema era capaz de enviar 80 mil mensagens por dia, para cada chip utilizado. Isso significa que, mesmo se fossem utilizadas as bases com milhões de números de celulares, vendidas ilegalmente, a operação para atingir uma pequena porção dessa população envolveria uma estrutura com centenas de chips de celular operando simultaneamente, em especial se considerarmos que os conteúdos enviados precisam dialogar com o que há de “quente” no debate naquele dia. Uma mensagem que chegue com um dia de atraso pode já não ter o efeito desejado.
Outra dificuldade é o fato de que este grande número de envios de mensagens por chip só seria alcançado se ele não fosse bloqueado durante a operação, o que aconteceu com frequência nas experiências que acompanhamos. Ao detectar um comportamento suspeito, ou ao receber muitas denúncias de SPAM de usuários, o WhatsApp bane o número e, portanto, o chip do aplicativo, que passa a não poder mais enviar mensagens. Nesse momento, um operador precisa perceber que isso aconteceu, substituir o chip, e reiniciar a operação.
Para tomar a decisão de bloquear um número por spam, o WhatsApp avalia, entre outros fatores, se o chip do qual parte o disparo de um grande volume de mensagens é novo no aplicativo, o que elevaria as chances de configuração de uso malicioso. Quando um chip já tem um histórico de uso, há mais chances de ser uma pessoa o utilizando, legitimamente. Em decorrência deste critério de bloqueio de chips/números, o mercado criou a curiosa prática de “esquentar chips”.
Esquentar um chip consiste em mantê-lo em uma espécie de “incubadora”, trocando mensagens aleatórias com outros chips que também estão sendo esquentados. Dessa maneira, quando forem utilizados para realizar disparo em massa, terão um histórico de uso e, consequentemente, maior vida útil até serem bloqueados. Alguns chips podem ficar meses esquentando, em uma “fazenda de chips”, com outras centenas que empresas mantêm em estoque para sempre terem disponíveis números com histórico, teoricamente aptos a operarem por mais tempo.
Aqui vale um breve comentário sobre a pouca pressão que existe sobre as empresas de telecomunicações para fiscalizar a operação de chips. Há que aprofundar se as operadoras de telefonia móvel fazem qualquer acompanhamento do uso de chips para detecção de comportamento suspeito e como poderiam fazê-lo, se é que é possível, sem ferir o direito dos usuários.
Outro desafio para esta operação são as exigências para ativar um chip de celular. As regras brasileiras exigem nome e número de CPF válidos. E, no entanto, em uma simples busca na Internet é possível encontrar CPFs de pessoas2, o que demonstra quão simples pode ser superar essa barreira. Em dezembro de 2018, a Folha de São Paulo publicou denúncia de que dados de idosos, vazados de bancos de dados públicos, foram usados para habilitação de chips usados em disparos massivos de mensagens pelo WhatsApp3. Mais uma vez se torna relevante maior controle das empresas de telecomunicações acerca dos dados utilizados para ativação de contas.
A denúncia de uso de dados de idosos para ativação de chips deixa transparente a correlação da proteção de dados – e sua violação – com o direito à informação e a livre circulação de informações na era digital. Além do uso não autorizado de informações coletadas em grupos de WhatsApp e de informações psicossociais coletadas em outras plataformas apoiarem grupos interessados em influenciar a esfera e opinião pública, a disponibilização de dados básicos como nome e RG para determinados agentes favorece a distribuição de conteúdo ao permitir a falsificação de perfis e homologação de chips, por exemplo.
Outra relevante alternativa para manter uma fábrica de mensagens de WhatsApp é o uso de chips estrangeiros, uma vez que nem todos os países têm a mesma regra que o Brasil quanto a identificação do usuário. O uso de números estrangeiros para ativação de contas no WhatsApp é algo apontado como recorrente na estratégia de comunicação de campanha do PSL, conforme informação divulgada na imprensa brasileira4. Os chips recebidos para campanha Bolsonaro eram entregues “pessoalmente, em encontros cercados de sigilo. A ideia era dificultar o rastreamento e bloqueio dessas linhas”5.
Mas quem pensa que é preciso sair do país para conseguir um número estrangeiro se engana. São diversos os tutoriais online6, em sites não lá muito conhecidos, que indicam aplicativos como Primo, 2ndline, NextPlus, VirtualSIM, entre tantos outros.
Os próprios tutoriais que indicam tais aplicativos informam que alguns números já podem estar bloqueados pelo WhatsApp ou podem eventualmente ser bloqueados e ensinam como proceder nesses casos. Também há a advertência aos interessados de que um número pode ser disponibilizado a mais de um usuário, o que significa que uma pessoa poderia ter acesso às mensagens enviadas anteriormente a partir daquele número. Ou seja, o uso de números virtuais pode exigir uma gestão ainda mais complexa e configurações mais rebuscadas para assegurar a privacidade das conversas.
1Segundo a BBC Brasil um ṕorta-voz do WhatsApp afirmou que além das mudanças em grupos e mensagens encaminhadas, houve um investimento em ferramentas de detecção de comportamento suspeito de usuários, como o volume de mensagens enviadas, a repetição de conteúdos, discursos de ódio ou ofensas e quantas vezes este usuário foi excluído ou bloqueado por interlocutores.
2Em sites como Jusbrasil é possível encontrar nomes completos e CPFs.
3RODRIGUES, Artur; MELLO, Patrícia Campos. Folha de S. Paulo. Fraude com CPF viabilizou disparo de mensagens de WhatsApp na eleição. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/12/fraude-com-cpf-viabilizou-disparo-de-mensagens-de-whatsapp-na-eleicao.shtml?utm_source=meio&utm_medium=email> . Acesso em 10 jan. 2018.
4FERREIRA, Gabriel; SOARES, João Pedro. Época. Como funciona a máquina de WhatsApp que pode eleger Bolsonaro. Disponível em <https://epoca.globo.com/como-funciona-maquina-de-whatsapp-que-pode-eleger-bolsonaro-23180627>. Acesso em 11 jan. 2018.
5Idem 11
6Entre as página acessadas para este texto, estão: “Como criar número virtual conheça 10 aplicativos”. Disponível em : <https://www.supertutorial.com.br/criar-numero-virtual-conheca-11-aplicativos-id3275>. Acesso em 11 jan. 2018.
“Como Criar um WhatsApp Fake Sem Chip e Com um Número Virtual de Graça”. Disponível em: <https://www.droidns.com.br/2017/07/como-criar-um-whatsapp-fake-sem-chip-e-com-um-numero-virtual-de-graca.html>. Acesso 11 jan. 2018.
Para Ganhar Escala no WhatsApp
O ganho de escala depende de uma operação ao mesmo tempo artesanal e industrial de disparos, sempre acompanhada por pessoas, muitas pessoas, pois não há como automatizar a ativação de chips, a troca do chip na “chipeira” e outras operações recorrentes e necessárias.
Além de todos os pontos já levantados, ainda há a questão do monitoramento. É impossível, no meio digital, pensar em operações de marketing desta grandeza sem que haja algum tipo de retorno sobre a quantidade de pessoas atingidas, a quantidade de interações, de compartilhamentos, uma análise qualitativa sobre a efetividade das mensagens, entre outras coisas. Em envios de mensagem em massa no WhatsApp, não há, a princípio, nenhum tipo de maneira de acompanhar como o conteúdo foi recebido pelas pessoas. Joga-se a garrafa ao mar esperando que alguém leia e que goste do conteúdo da mensagem.
Especialistas de marketing digital, que já trabalharam em campanhas políticas internacionais recentes, relatam a importância da presença no que eles chamam de “grupos vivos”. Ao contrário dos grupos criados exclusivamente para fins de campanha, como os da iniciativa “Vem de Zap”, os grupos vivos são aqueles em que as pessoas estão organicamente reunidas por afinidades que não apenas aquela imediata de disseminação de conteúdo específico – são os grupos da família, da escola, do trabalho, da igreja e etc.
Nestes grupos, contam os especialistas, é importante que haja um número de celular “infiltrado” para acompanhar as discussões. Este número também estará conectado a uma ferramenta de automação. Porém, neste caso, em vez de enviar mensagens, a ferramenta vai apenas coletar o que está sendo dito, para que se possa analisar tanto os conteúdos compartilhados quanto a reação das pessoas a estes conteúdos. Não adianta os conteúdos circularem apenas nos grupos de apoiadores de um candidato, ele se torna efetivo apenas quando chega aos “grupos vivos” e é bem recebido.
Mas como infiltrar um robô em um grupo vivo? Para os grupos que não são abertos, é preciso que um membro o adicione. Por isso, percebemos que criar uma rede de monitoramento de grupos vivos de WhatsApp não se faz do dia para a noite. É algo que deve ser construído com o tempo e com a participação de pessoas que devem aceitar incluir esses números nos grupos dos quais fazem parte.
Da mesma maneira, o envio de spam generalizado, por mais segmentada que possa ser a lista, em grande quantidade, é menos efetivo do que ter uma mensagem compartilhada por uma pessoa real em um desses grupos vivos. Por isso, é importante criar uma rede de transmissão de conteúdo segmentada, mas apoiada na participação de pessoas reais em vários níveis, de maneira que as mensagens passem de grupo em grupo até chegarem aos grupos vivos e então às pessoas que não estão ativamente ligadas a nenhuma campanha.
Existe Massificação no WhatsApp Sem Base?
É impossível precisar quais foram as técnicas e ferramentas utilizadas pela campanha vencedora para explorar de maneira tão eficiente a disseminação de conteúdo – informação e desinformação – via WhatsApp mas, a partir das experiências com as quais foi possível abrir contato, é fácil concluir que apenas uma grande máquina de disparos, por maior que seja, montada exclusivamente para a campanha, não seria suficiente para atingir essa efetividade.
O envio em massa de conteúdo, além de muito custoso, só se torna extremamente eficiente quando utilizado em conjunto com outras táticas de distribuição, como a construção de várias redes de transmissão de conteúdo, e com suporte de monitoramento.
Pelos argumentos e evidências apontados, há evidências de que, por mais que houvesse uma estrutura centralizada de produção de informação e desinformação, apoiada em uma rede de sites, blogs e perfis em redes sociais, a disseminação de tais conteúdos no WhatsApp de ter acontecido fortemente de maneira centralizada e descentralizada, com algumas iniciativas valendo-se de técnicas de disparo em massa, mas também com a participação de milhares de militantes orgânicos – auxiliando na transmissão segmentada de conteúdo de grupo em grupo, na moderação e monitoramento e nos contatos com os grupos “vivos”.
Nas críticas e análises publicadas sobre a atuação da campanha vencedora no WhatsApp é comum a ênfase ao uso de automação do envio e de “robôs”, o que de fato já se comprovou. No entanto, pouca ênfase é dada ao processo de construção de uma rede de transmissão e monitoramento que, provavelmente, levou anos para ser montada – o que não significa que foi montada propositalmente, mas estruturada a partir das relações sociais cotidianas de grupos conservadores.
Os relatos de quem participou de grupos de apoiadores do Bolsonaro durante a campanha, como Viktor Chagas, do CoLAB1, grupo de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), indicam que, apesar de se multiplicarem aos milhares, tais grupos eram sempre moderados de perto. Havia sempre a presença de perfis fazendo a publicação automática de conteúdo, mas com frequência havia interferência e cuidado dos moderadores de entrar em contato com participantes, por meio de mensagem particular, para engajá-los ou expor infiltrados.
Há também relatos de técnicas para implodir grupos quando seu funcionamento foi exposto. Um dos membros do Ativistas com Haddad que acompanhou um grupo de WhatsApp de mulheres evangélicas que discutiam política, relatou que quando as participantes perceberam que um dos números participantes tinha um comportamento suspeito – parecia ser um “robô” – e tal suspeita foi comprovada, enquanto comentavam o fato, o grupo foi inundado de mensagens ofensivas e pornográficas, forçando todas a sair.
As ferramentas de automação e disparo em massa, caras, aparentemente podem servir como apoio ferramental a uma militância grande e engajada. Mas ao que tudo indica é preciso ter uma rede bem articulada e engajada para que a estratégia de disseminação, monitoramento e conversão de opinião de fato aconteça.
Assim, diante de tais análises e dos desafios colocados aos que, de forma partidária ou não, pretendem se engajar na constituição e consolidação de um Estado democrático de direitos no Brasil, é preciso angariar esforços em um trabalho de base para que o fluxo de distribuição de conteúdo com este apelo aconteça. Redes de distribuição de conteúdo continuam extremamente relevantes na era digital e é hora de superar a ideia de que a Internet e as redes sociais (as movidas por algorítmos, ao menos) podem garantir visibilidade às diversas opiniões políticas. O que temos é a capacidade de falar, não de sermos ouvidos.
1Idem 11