Anulação, Fraude e Liberdade do Voto
Nas democracias representativas, o período eleitoral costuma ser um momento de grande politização do debate público. No Brasil, a obrigatoriedade do voto faz com que as diversas camadas da população tenham que se mobilizar em torno das eleições – algo que nem sempre acontece durante as movimentações políticas contínuas que se restringem a alguns grupos interessados e organizados.
No entanto, em um país marcado pela forte desigualdade social, a prática de compra de votos segue sendo uma realidade em pleno século XXI. Pesquisa recente encomendada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostrou que em uma amostra de dois mil eleitores de 18 a 60 anos, 28% declarou ter conhecimento ou ter presenciado essa prática. Além disso, constatou-se que a percepção das pessoas sobre a ilegalidade da compra de votos ainda é baixa.
Até 1821, as normas eleitorais vigentes no Brasil eram fruto dos códigos Afonsino, Manuelino e Filipino, datados do fim da Idade Média europeia. Com a pressão pela adoção da monarquia constitucional em Portugal, o Brasil realizou, ainda enquanto colônia, eleições para a escolha de deputados para a corte de Lisboa. Já no país independente, a Constituição de 1824 determinava o voto pecuniário, no qual “votantes” e “eleitores” (o voto era indireto e os votantes escolhiam eleitores que escolhiam os representantes populares) necessitavam ter um mínimo de renda ou posse.
Até a proclamação da República o modelo se seguiu, sendo caracterizado pelo voto não secreto e o impedimento de escravos, mulheres e – embora não formalmente – analfabetos (o preenchimento da cédula exigia assinatura) de votarem. Em 1881, com a Lei Saraiva, o voto tornou-se secreto, as eleições, diretas, decretou-se o fim da vinculação do processo eleitoral a ritos religiosos católicos e estabeleceu-se o papel central do Poder Judiciário na organização das eleições.
Com a constituição da República em 1891, porém, retrocederam-se as exigências que buscavam eleições mais transparentes e oficializou-se a proibição do voto dos analfabetos, que só conquistariam esse direito a partir de 1985. O afastamento do Judiciário do controle da organização das eleições fez com que os poderes locais constituídos passassem a ter maior influência na administração do processo eleitoral e, até 1930 o processo foi marcado pelo poder dos coronéis, o “voto de cabresto” e o controle do eleitor através do voto facultativo e da entrega de duas cédulas, uma delas assinada perante a mesa eleitoral controlada pelo poder local.
Tanto o Estado Novo (1937-1946), quanto a ditadura civil-militar (1964-1985) limitaram direitos políticos relacionados ao voto. Apenas em 1988, com a chamada “Constituição Cidadã”, estabelece-se no Brasil o sufrágio universal.
Para além disso, diversas outras práticas e abusos representam riscos à liberdade de voto e à democracia no país e, desde as evidências sobre possíveis interferências nas eleições de países como Colômbia, Estados Unidos e no plebicito sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, a disseminação de desinformação se tornou uma grande preocupação.
Em junho de 2018, pouco antes das eleições, um comentário do Ministro Luis Fux gerou um grande debate sobre como as chamadas “fake news” seriam tratadas no processo eleitoral brasileiro. O ministro citou o artigo 222 do Código Eleitoral para afirmar que “temos uma tutela penal enérgica que pode anular candidatura que obteve êxito com base em ‘fake news’”. “Tem uma regra geral no artigo 323 do Código Eleitoral. E nós temos também a tutela no campo eleitoral, que impõe multas, impõe direito de resposta e impõe também eventualmente até anulação daquela eleição se ela foi fruto de uma massificação de ‘fake news’, com base no artigo 222 do Código Eleitoral”, detalhou na época. O artigo citado pelo ministro diz que “[é] também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei”. O citado artigo 237, por sua vez, estabelece que “[a] interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos”.
A afirmação alardeada pelo ministro Fux implica à noção fluida de fake news a qualidade geral de identificação em face da falsidade, fraude, coação, poder econômico e desvio ou abuso do poder de autoridade “em desfavor da liberdade do voto”. A generalidade com que o ministro tratou do tema é incompatível com a complexidade e a falta de uma definição clara da ideia de fake news. O termo tem caído em desuso no âmbito internacional é foi considerado “totalmente inadequado em descrever os fenômenos complexos da poluição da informação” em documento do Conselho da Europa (Council of Europe report DGI(2017)09). O documento aponta também que o termo começou a ser apropriado por políticos de todo o mundo para “descrever organizações de mídia cuja cobertura lhes desagrada”. Assim, a ideia de fake news se torna “um mecanismo pelo qual os poderosos podem reprimir, restringir, minar e contornar a liberdade de imprensa”.
O relatório divide o processo geral de “desordem informacional” em 3 fenômenos típicos que se situam nas esferas da informação falsa e da informação prejudicial. Na esfera da informação falsa, que inclui conexões errôneas e conteúdos mal direcionados, está a “informação equivocada” (Mis-Information). Na esfera da informação prejudicial, onde se encontram vazamentos, discursos de ódio e assédios, está a “informação maléfica” (Mal-Information). Onde as duas esferas se encontram e onde se produz conteúdo falso, manipulado e fabricado, que se utilizam de ambos aspectos (falsa e prejudicial) está o campo da “desinformação” (Disinformation). O relatório exemplifica as diferenças entre os três tipos com casos ocorridos na eleição francesa de 2017.
A fim de dar significado a esta desordem informacional e afastar o termo genérico de fake news da agenda de debates, o relatório também destaca 3 elementos e 3 fases que precisam de compreensão no intuito de abarcar a complexidade da questão: Agente, mensagem e intérprete e criação, produção e distribuição. No caso de processos eleitorais, notamos a necessidade de se estabelecer se os atores são organizados, institucionalizados e se movem por motivações políticas tendo como alvo o eleitorado. Portanto, para além das decisões de remoção técnica de conteúdo, processos jurídicos relacionados à difamação e à honra, seria necessário uma ação de inteligência, cooperação e informação para coibir a própria formação do ecossistema de desinformação que naturalmente abarca poder econômico e estratégias definidas de manipulação eleitoral. Enquanto tomamos conhecimento sobre uma série de remoções de conteúdos online esporádicas e distribuídas, casos mais graves de produção em série de desinformação e suspeitas de irregularidade eleitoral ainda carecem de definição jurídica.
O jornal “O Estado de São Paulo” publicou uma opinião no dia 25 de junho criticando as declarações do ministro e argumentando que “[a]o afirmar que uma eleição pode ser anulada se houver disseminação em larga escala de informações falsas sobre este ou aquele candidato, o ministro Fux está a dizer que qualquer eleição pode ser anulada, e que muitas eleições no passado – para não dizer todas – deveriam ter sido questionadas, pois não há nem nunca houve pleito em que candidatos não disseminassem maldizeres e falsidades sobre seus adversários.”. Na crítica o o jornal reconhece a complexidade do desafio das notícias falsas e menciona o perigo do sistema de justiça se valer de “poder de polícia” para interpretar, julgar e condenar uma prática que, apesar de muito antiga, ainda não foi compreendida em sua complexidade e nem suas soluções combatidas com firmeza e de maneira a fortalecer os regimes democráticos e a liberdade de expressão.
Nesse sentido, as primeiras perguntas que precisam ser feitas é se a “liberdade do voto” está mesmo sendo solapada por notícias que circulam nos meios eletrônicos e digitais, quais são os agentes envolvidos em sua produção e difusão, quais seus impactos e características disruptivas e as razões, causas e mecanismos que propiciaram tal comportamento. Assim, pode-se melhor analisar os remédios, salvaguardas, punições e políticas mais urgentes para combater esta situação. Ademais é importante verificar se as medidas de combate a desinformação estão em acordo com os princípios, normas e recomendações internacionais que protegem a liberdade de expressão.
‘Fake News’: Tecnologia, Política e Ataque à Mídia
O surgimento e crescente popularização das redes sociais transformaram o modo pelo qual as pessoas se envolvem com a política e é possível se notar uma penetração maior destas discussões nos debates públicos para além dos períodos eleitorais. Num país com 130 milhões de usuários do Facebook e 120 milhões de usuários do WhatsApp, a televisão e o rádio, que constituíam a fonte de informações prioritária – quando não exclusiva – para grande parte das pessoas, passaram a competir com outras fontes de notícias compartilhadas via Internet.
Estudos indicam como as redes sociais se tornaram um meio privilegiado para o consumo e a distribuição de notícias entre a população que dispõe de acesso à Internet. Segundo o Relatório sobre Notícias Digitais do Instituto Reuters de 2018, 90% das pessoas consomem notícias on-line, contra 75% que o fazem por televisão e 24% via jornais e revistas impressos. Especificamente, 66% das pessoas entrevistadas declararam utilizar as redes sociais como fonte de notícias. A pesquisa também observou um crescimento no número de pessoas que dizem utilizar aplicativos de mensagens instantâneas para se informar. No caso do WhatsApp, 48% dos entrevistados já afirmam utilizá-lo para acessar notícias.
Uma das particularidades deste tipo de meio, quando comparado com os grandes veículos de massa predominantes em todo o século passado, é a possibilidade de interação direta e o fato de que consumidores de notícias podem se tornar produtores ou editores, ao selecionar as informações a serem compartilhadas com seu público de amigos e familiares. Além disso, no caso do Facebook, por exemplo, há um estímulo – via algoritmo – ao posicionamento dos usuários-editores sobre os conteúdos compartilhados como forma de gerar visibilidade e engajamento.
O caráter supostamente gratuito dessas plataformas e a flexibilidade dos planos de Internet móvel em comparação com os altos custos de acesso a serviços de telefonia e Internet colaboraram para a grande penetração das redes sociais e aplicativos de mensagens no país. A questão é que o modelo de negócios de muitas dessas plataformas se baseia na autorização de acesso e uso por parte da empresa do fornecimento de dados pessoais que serão amplamente negociados entre diversos agentes para a produção de conhecimento sobre os indivíduos e suas preferências – inclusive políticas.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, de agosto de 2018, busca estabelecer limites para as transações envolvendo dados pessoais, uma vez que eles podem ser utilizados de modo a lesar direitos básicos dos cidadãos, inclusive no campo político. Isso ficou evidente após a denúncia de mau uso dos dados pessoais de usuários do Facebook combinado com seu vazamento deles pela empresa Cambridge Analytica. O caso impulsionou a aprovação da Lei 13.709/2018, que vinha sendo discutida há quase uma década.
Os eventos relacionados a notícias e política no ano de 2016 fizeram com que o dicionário Oxford desse ao termo “pós-verdade” a categoria de “palavra do ano”. O dicionário menciona “um pico na frequência [de seu uso] no contexto do referendo da União Européia no Reino Unido e na eleição presidencial dos Estados Unidos”. Como nos aponta o pesquisador em tecnologia da USP Tiago Soares em artigo para o Le Monde Diplomatique Brasil, no processo eleitoral norte-americano de 2016 “teve curso uma aparentemente inédita intensificação na produção e circulação de desinformação” na qual “o volume de notícias falsas que circulavam na web se espalhava a ponto de embaralhar todo o sistema de notícias” que se tornou “um dos principais eixos da análise e da cobertura política entre 2015 e 2016”.
O universo dos chamados direitos digitais está imerso nessa questão, já que a arquitetura da Internet e sua gênese descentralizada tem papel fundamental nas operações políticas que promovem os processos de circulação massiva de informação inverídica para fins políticos. Como nos lembra Soares, “[a] crítica à concentração e ao abuso do poder institucional dos meios de comunicação de massa (e da imprensa corporativa em especial) é um traço definidor do ideal encapsulado na internet”, fazendo com que a própria lógica das comunicações ponto a ponto, a descentralização das notícias, o caráter amador e imediato e a movimentação em rede façam da Internet um nó central deste tecido. Assim, como observamos nos Estados Unidos e no Brasil, a viabilidade da aceitação das fake news está ligada a um complexo processo que envolve a mídia tradicional e a diminuição de sua capacidade de ser o ente mediador e legitimador do fatos para a opinião pública, e, por isso, “[a] desorganização informacional acionada pela arquitetura das redes tem como contraponto um sistema de organização da informação igualmente em crise”.
Esta caracterização particular de fake news enquanto pós-verdade aparece como um ataque à liberdade de expressão e ao trabalho jornalístico e artístico. Quando o presidente Donald Trump massifica o termo fake news enquanto crítica à imprensa, ele se junta a uma gênese que se remete aos já mencionados Protocolos dos sábios de Sião: um ecossistema que envolve a deliberada disseminação de inverdades no intuito de direcionar a opinião pública e fortalecer determinada ideologia política. Historicamente, esse ataque vem acompanhado de investidas contra os direitos individuais e coletivos, o opositor político e a dissidência social e de costumes. Ele também inclui o próprio questionamento do conhecimento e do saber, que se reflete em desdém à pesquisa acadêmica, à noção científica e à devida apuração dos fatos, fortalecendo um circuito denso, fechado e contagiante de informações conspiratórias. As fake news, enquanto deslegitimização da imprensa, se remetem à negação da apuração factual e da busca do conhecimento enquanto estratégia política.
O fenômeno das fake news, portanto, ligado à Internet e a revolução digital não aparece como paródia, ironia, desvio ou equívoco, mas como um recurso retórico que remete a uma posição extremista, radical e messiânica que tem na imprensa um alvo central. De maneira similar ao processo ocorrido no Brasil, o desmonte da legitimidade e confiabilidade na grande imprensa (propagada por diversos âmbitos do espectro político e não raras vezes justificada pela ausência de independência e concentração econômica das empresas de mídia) é sintoma central da gênese que encontra no anti-semitismo, anti-comunismo, conspiracionismo, nacionalismo radical, fanatismo religioso e no racismo seu tecido retórico de sustentação. Na esteira da implosão da legitimidade da informação apurada e veiculada pela imprensa, aparece um elemento mais geral de obscurantismo e apelos morais, emocionais e espirituais que muitas vezes se traduzem num sentimento de questionamento dos fatos, do trabalho científico e da apuração de evidências.
Projetos de Lei que Põem em Risco a Liberdade de Expressão
Se por um lado, o cenário da descentralização do digital propicia uma permeabilidade maior das discussões políticas, para além dos períodos eleitorais entre as pessoas com acesso à Internet, por outro, ele gera reações de setores interessados no silenciamento e invisibilização de qualquer tipo de crítica ou denúncia. Levantamentos da Artigo 19 indicam que a proporção de blogueiros assassinados tem aumentado nos últimos anos em relação à proporção de jornalistas. As motivações para os crimes são políticas e o objetivo principal das execuções é eliminar fisicamente pessoas consideradas inconvenientes pela ação investigativa que realizam ou pelas críticas que desestabilizam relações locais de poder. Entre os principais alvos da crítica desses comunicadores estão políticos, autoridades públicas, empresários e criminosos que atuam em nível municipal ou regional e são eles os principais suspeitos de autoria intelectual dessas violências.
Ao mesmo tempo, na medida em que aumenta o uso da Internet como fonte de informações, observa-se uma preocupação maior com relação à regulação do discurso on-line nos mais diversos âmbitos. Apesar do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) ter incluído uma série de garantias à liberdade de expressão on-line, ele não foi capaz de pacificar um entendimento sobre o tema e há atualmente inúmeros projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que buscam restringir discursos, criar ou aumentar mecanismos de punição para supostas violações. Podem ser mencionados como particularmente preocupantes:
• Projetos que buscam introduzir o denominado “direito ao esquecimento” no país e obrigar provedores a, caso solicitados, remover conteúdos sobre o requerente considerados sem “interesse público atual”, “dados irrelevantes ou defasados” ou informações que não se refiram a “fatos genuinamente históricos” (como por exemplo os PLs 7881/2014, 2712/2015, 1676/2015 e 8443/2017);
• Projetos que buscam obrigar a identificação dos responsáveis por quaisquer sites na Internet (inclusive blogs ou páginas em redes sociais) com a publicação de dados como endereço completo ou CPF, sob pena de suspensão e multas (como os PLs 7224/2017, 7945/2017 e 8043/2017);
• Projetos que tentam obrigar a identificação de qualquer usuário de Internet por meio de cadastro obrigatório (como os PLs 2390/2015 e 7918/2017);
• Projetos que pretendem aumentar as penas para crimes contra a honra cometidos via Internet (como os PLs 4148/2015, 1547/2015 e 1589/2015);
• Projetos que visam garantir a retirada de conteúdos de blogs, independentemente da indicação da URL específica do conteúdo a ser removido na ordem judicial (como o PL 8221/2017).
• Projetos que se utilizam de argumentos relacionados à segurança pública para inserir mecanismos técnicos de controle, bloqueio, vigilância ou penalização pela troca de informações. (PL 10372/2018).
O objetivo explícito ou implícito de muitos desses e outros projetos (como o PL 6928/2017) é coibir ataques contra a dignidade humana, a honra e a imagem por meio da Internet, inclusive criminalmente. As propostas de aumento das penas para crimes contra a honra vão na contramão dos principais debates internacionais sobre o tema e agravam o atraso histórico da legislação brasileira. Chamam atenção também as menções explícitas a blogs e páginas em redes sociais quando se trata da identificação de usuários e da retirada de conteúdos, considerando o cenário de perseguição a esses comunicadores observado nos últimos anos.
Um caso particularmente emblemático envolvendo o uso da legislação de crimes contra a honra para a restrição da liberdade de expressão é o do jornalista sergipano Cristian Góes. Ele teve que cumprir pena criminal por oito meses, com serviços comunitários, após ser condenado pela publicação de uma crônica chamada “Eu, o coronel em mim”, publicada em 2012, em que criticava práticas coronelistas no Nordeste.
Apesar de se tratar de um texto fictício em que não eram citados nomes, Góes foi processado por injúria pelo desembargador do Tribunal de Justiça de Sergipe, Edson Ulisses, que entendeu que a crítica se dirigia a ele. Ulisses solicitou ainda indenização por danos morais na esfera cível e obteve decisão favorável pela qual o jornalista foi condenado ao pagamento de R$ 54.221,97, além de honorários advocatícios. No total, ele terá que arcar com um total de R$ 66.000,00.
Caso aprovados os projetos que propõem punições mais duras para crimes contra a honra, esses casos podem se multiplicar. Para além das punições individuais a comunicadores e comunicadoras como Cristian Góes, esse tipo de situação incentiva a autocensura por parte de pessoas desejam se manifestar de forma legítima na rede, mas não o fazem temendo retaliações.
Cabe ressaltar que muitos dos projetos mencionados não observam os princípios internacionais relativos às restrições legítimas à liberdade de expressão. Particularmente, no que diz respeito à criminalização das ofensas à honra, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recomenda que a proteção da reputação deveria ser limitada a sanções civis e que a criminalização da ofensa à honra, principalmente envolvendo agentes públicos ou temas de interesse público, contraria o Pacto de San José da Costa Rica (art. 13).
O Debate Pré-eleitoral No Brasil e as ações dos envolvidos
Apesar do seu reconhecido impacto, o fato de que as fake news fundamentalmente subvertem a democracia, e principalmente processos eleitorais, é ainda alvo de controvérsias. Estudos mostraram, por exemplo, que foi a televisão a fonte dominante de aquisição de informação política no caso das eleições norte-americanas. Por outro lado, isso não necessariamente significa que a desinformação não tenha pautado o debate nos meios de comunicação de massas.
No período pré-eleitoral brasileiro, as discussões sobre o impacto das fake news no âmbito internacional chegaram à imprensa brasileira e ao Congresso Nacional e serviram de disparadores para a apresentação de uma série de novos projetos de lei buscando limitar a expressão on-line, seguindo tendência de pouca atenção aos princípios internacionais de liberdade de expressão.
Isso se refletiu em desconfiança da opinião pública em relação às notícias recebidas on-line. Segundo o Relatório sobre Notícias Digitais do Instituto Reuters de 2018, a confiança nas notícias no Brasil é alta em comparação com outros países, 59%. Já a confiança nas notícias encontradas em mídias sociais é inferior, de 32%. Ele mostrou ainda que 85% das pessoas entrevistadas manifestavam preocupação com o que é real ou falso nas notícias on-line. A mesma pesquisa, divulgada antes do início da campanha eleitoral, evidenciou que 35% dos entrevistados afirmavam já terem sido expostos a notícias completamente inventadas para fins políticos ou comerciais. Alguns dos fatores que podem ter colaborado para esse cenário são, além da presença da temática nos meios de comunicação de massas, a situação de polarização da opinião pública e a instabilidade política que afeta o país nos últimos anos.
A situação tem gerado uma queda de confiança nas instituições de modo geral, que afetou particularmente a grande mídia (incluindo provedores de conteúdos e plataformas). Os motivos apontados pelas pessoas entrevistadas para o ceticismo em relação aos veículos de comunicação foram o foco dessas empresas em atrair maior audiência, a priorização da velocidade em detrimento da qualidade na publicação de notícias e a politização e a divulgação de conteúdos ideológicos e não informativos.
Ações do setor público
O escândalo sobre o acesso de dados de milhões de usuários do Facebook para a empresa especializada em publicidade eleitoral Cambridge Analytica – e sua possível influência no plebiscito que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia e nas eleições dos Estados Unidos – aumentou as preocupações sobre a possibilidade de manipulação da opinião pública durante as eleições brasileiras.
Em 7 de dezembro de 2017 foi criado um Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dedicado a realizar estudos e pesquisas sobre as regras eleitorais e a influência da Internet nas eleições e propor ações para o aperfeiçoamento das normas sobre o tema. Preocupava o TSE o risco das fake news e do uso de robôs para a disseminação de informações.
Entre os temas discutidos pelo Conselho estiveram a criação de campanhas de conscientização sobre fake news, a elaboração de manuais para orientar juízes nas decisões sobre remoção de conteúdos e a criação de uma ambiente virtual para o recebimento de denúncias. Durante as discussões houve participação das plataformas de Internet que apresentaram suas estratégias para o combate às notícias falsas durante as eleições.1 O diretor da Divisão de Crimes Cibernéticos do FBI também foi ouvido em uma das reuniões sobre a estratégia adotada na área nos Estados Unidos.
Foram promovidos dois seminários e um workshop com o tema “Internet e eleições” logo após a criação do Conselho e, em junho, foi realizado ainda um seminário internacional com apoio da União Europeia sobre o tema “Fake News: Experiências e Desafios”, com a participação de especialistas nacionais e internacionais e de diversos membros da Justiça Eleitoral.
Houve uma série de críticas à atuação do Conselho ainda no período pré-eleitoral. Sua composição gerou críticas de diferentes grupos da sociedade civil, dada a participação de um general do Centro de Defesa Cibernética do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército Brasileiro e do Diretor-Adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e a presença de poucas organizações que vinham estudando e analisando este tema. A participação destes órgãos denotava uma ênfase na perseguição de usuários de Internet por meio de técnicas de vigilância e a possibilidade de censura de discursos legítimos foi denunciada por diversas organizações.
Uma vez iniciados os trabalhos, integrantes apontaram dificuldades em avançar nas discussões e opinaram que o TSE não estaria preparado para atuar nas eleições. Além disso, foi identificada uma tendência do órgão em priorizar o diálogo com a Polícia Federal, Exército e ABIN na tentativa de buscar meios de combater as fake news. Segundo informações divulgadas na imprensa, a ABIN teria apresentado uma proposta de monitoramento de dados de navegação (metadados) em redes sociais, mas não houve acordo entre os demais integrantes sobre a ação.
O Sigilo das Atas do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições
Uma preocupação em relação ao trabalho do conselho foi a decisão, anunciada no final de junho de 2018, de colocar as atas de suas reuniões em sigilo. A Artigo 19 se manifestou por meio de nota pública argumentando que “todas as informações relativas a essas iniciativas jamais deveriam ser consideradas sigilosas haja vista o inegável interesse público que permeia a questão”. Se eventuais remédios contra os danos da desinformação passam pelo fortalecimento da esfera pública de debate, pela transparência das informações e pela intensificação de políticas de acesso à informação, é de se estranhar que a discussão sobre o processo de desinformação não seja acessível ao público. Sabendo da proposição da ABIN de “monitorar preventivamente” usuários de Internet sob a justificativa de combate às fake news é importante alertar para o risco da combinação entre sigilo das informações e vigilância massiva e ilegal que o tratamento errôneo desta questão por parte do poder público pode desencadear.
Ainda antes do início do período de campanha eleitoral, o TSE determinou a retirada de conteúdos falsos sobre a candidata Marina Silva do Facebook. A decisão deu 48 horas para a remoção de cinco postagens de fake news e solicitou os dados pessoais dos criadores e administradores do perfil responsável pela publicação. Em sua argumentação, o ministro Sérgio Banhos afirmou que a garantia constitucional ao direito à liberdade de expressão não se estende a sua manifestação anônima, como no caso em questão. Foi a primeira vez em que foi aplicada a Resolução 23.551/2017 do TSE, que detalha as regras para a propaganda eleitoral e identifica as condutas consideradas ilícitas na campanha, como a divulgação de conteúdos sabidamente inverídicos.
O TSE propôs ainda um acordo de cooperação com os partidos políticos, no qual eles se comprometiam a manter um ambiente eleitoral “imune de disseminação de notícias falsas”. Do total de 35 partidos em atividade no país, 28 haviam assinado o documento até o início de julho. O Tribunal firmou também uma parceria com o Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político (Camp) e memorandos de entendimento com entidades representativas do setor de comunicação e as empresas Google e Facebook sobre o tema.
No Legislativo, foram diversas as tentativas de regular o tema das notícias falsas. Em março, o Conselho de Comunicação Social criou uma comissão específica para estudar os projetos de lei sobre notícias falsas. Foram analisadas 14 propostas, 13 da Câmara dos Deputados e uma do Senado e um parecer foi apresentado em junho. O texto incluiu uma breve análise dos projetos e concluiu que a solução da questão das fake news não passa apenas pela criminalização da prática ou a responsabilização das plataformas de Internet, como muitos dos projetos analisados propõe.
Projetos de lei sobre fake news analisados:
PL 6812/2017
PL 7604/2017
PL 8592/2017
PL 9532/2018
PL 9533/2018
PL 9554/2018
PL 9626/2018
PL 9647/2018
PL 9761/2018
PL 9838/2018
PL 9884/2018
PL 9973/2018
PLS 473
O documento apontou que as propostas não dão conta da complexidade do fenômeno e sugere a continuidade dos debates, com participação da sociedade. Finalmente, sugeriu que as futuras leis considerem:
* a necessidade de uma definição clara e bem delimitada do conceito de fake news;
Ações das empresas de Internet
As empresas de Internet, principalmente após as denúncias sobre a atuação da Cambrige Analytica, foram cobradas pelo poder público e sociedade civil para tomar medidas em relação à disseminação de desinformação e a proteção dos dados dos eleitores e eleitoras. Segundo informações divulgadas pelo Facebook, dados de 443 mil usuários brasileiros haviam sido compartilhados com a Cambridge Analytica, colocando o Brasil entre os dez países mais afetados, junto com Estados Unidos, Filipinas, Indonésia e Reino Unido. Antes do escândalo, a empresa havia anunciado que prestaria serviços no Brasil durante as eleições.
Sobre as plataformas havia a pressão de uma série de propostas legislativas que buscavam responsabilizá-las caso não retirassem conteúdos de terceiros considerados ilícitos ou ofensivos – flexibilizando a garantia dada pelo Marco Civil da Internet. Além disso, a revisão da Lei Eleitoral, por meio da Lei 13.488/2017, introduziu novas regras publicidade via Internet, tendo proibido a propaganda paga, com exceção do “impulsionamento” de conteúdos nas redes sociais e outras plataformas. Estava permitida, ainda, a publicidade em blogs, sites e páginas de redes sociais com conteúdos produzidos pelo candidato ou candidata ou pelo partido/coligação. Outras regras incluíram a proibição de veiculação de propaganda em determinadas páginas (pessoas jurídicas com ou sem fins lucrativos e órgãos públicos) e a proibição da venda de cadastros de e-mails. Também foi permitida a contratação de ferramentas de busca para a priorização de resultados, como por meio do serviço Google AdWords.
A cartilha “Propaganda Eleitoral na Internet”, publicada em junho pelo TSE, menciona explicitamente estas plataformas ao exemplificar no que consistiria o impulsionamento. “Com a nova redação dada ao art. 57-C da Lei nº 9.504/1997, a propaganda eleitoral na Internet passa a ser permitida durante o período eleitoral quando for utilizada com o único objetivo de impulsionar o alcance de publicações, como no Facebook e no Instagram. Esse impulsionamento deve ser contratado diretamente por meio das plataformas de mídias sociais”. O serviço do google também é explicitamente mencionado na cartilha do TSE: “fica liberado o uso de mídia paga para impulsionar essas publicações em mídias sociais e também para garantir posições de destaque nas páginas de respostas dos grandes buscadores, como o Google, por meio de anúncios contratados no Google AdWords”. Durante o primeiro turno das eleições o TSE definiu que somente candidatos ou candidatas poderiam impulsionar conteúdos nas redes sociais, por meio do CNPJ da campanha. A decisão respondeu a uma representação da coligação de Geraldo Alckmin (PSDB) contra Jair Bolsonaro (PSL) e determinou a retirada do conteúdo impulsionado por um empresário em favor do presidenciável do PSL, sob pena de multa.
A mudança que permitiu o impulsionamento gerou críticas de acadêmicos e sociedade civil, uma vez que a lei beneficiou algumas empresas que permitem aos usuários pagar para aumentar a visibilidade de seus conteúdos na venda de propaganda eleitoral.
A atuação das principais empresas de mídias sociais em resposta às pressões internacionais e nacionais sobre seu papel na disseminação da desinformação e manipulação da opinião pública em períodos eleitorais ocorreu em várias frentes. O Facebook desenvolveu estratégias para a checagem de conteúdos falsos em parceria com agências especializadas na checagem de fatos. Entre outras funcionalidades, o programa, que já havia sido implementado em outros países, inclui a marcação de conteúdos identificados como falsos e a notificação de usuários os que compartilharam. A consequência que causou maior polêmica é que esses conteúdos são também menos distribuídos e têm sua visibilidade reduzida. Sobre a questão da desinformação, a empresa anunciou, ainda, o apoio a algumas iniciativas de caráter educativo e ao projeto Comprova, que reuniu jornalistas de diferentes veículos para verificar notícias durante o período eleitoral.
Além disso, empresa já havia adotado algumas medidas de transparência como resposta às revelações sobre o uso de dados de seus usuários pela Cambridge Analytica. Uma delas foi uma ferramenta que permite aos usuários visualizar todos os anúncios que uma página no Facebook ou Instagram está veiculando. Com isso, é possível saber se um mesmo candidato está direcionando mensagens distintas para diferentes públicos. Outra medida foi a divulgação das informações sobre as pessoas que pagaram por anúncios relacionados a política.
O Facebook tomou medidas, ainda, (os anúncios podem ser acessados aqui: Protegendo as eleições; botão de contexto; supressão de votos e interferência em eleições) para remover usuários, páginas e conteúdos que promoviam a desinformação. A primeira ação ocorreu em julho e resultou na remoção de uma rede que envolvia 196 páginas e 87 perfis que, segundo a empresa, “se ocultava com o uso de contas falsas”, violando os Termos de Uso da plataforma, que determinam a necessidade de uso de uma identidade real. O argumento foi o de que elas formavam uma “rede coordenada (…) e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”. Anunciando um trabalho permanente de fiscalização e monitoramento de usuários, o comunicado chama estes “violadores” das políticas de “mal-intencionados” que promovem “conteúdo ruim” pela plataforma. Também revela que a empresa contava com mais de 20.000 pessoas ao redor do mundo para identificar tais comportamentos, além do uso de machine learning e inteligência artificial nas investigações.
No mesmo dia, vários veículos noticiaram que a ação atingia muitos membros do Movimento Brasil Livre (MBL), o que se confirmou por um tweet na conta oficial da organização. A medida gerou reações do Poder Judiciário, mídia, sociedade civil e políticos que observaram a atitude do Facebook como censura e violação à liberdade de expressão. No dia 27 de julho, o MBL entrou com um Mandado de Injunção (remédio presente no artigo 5º, inciso LXXI da Carta Magna a ser concedida “sempre que a falta total ou parcial de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais”), pedindo que o Presidente da República publicasse uma norma reguladora para estabelecer os parâmetros nos quais conteúdos poderiam ser removidos das plataformas online. Baseando-se no artigo 5º da Constituição e nos artigos 3º e 8º do Marco Civil da Internet, a ação usa do argumento da liberdade de expressão enquanto direito fundamental como defesa contra a “alteração e/ou remoção de usuários – páginas e perfis – ou de conteúdos em geral das plataformas denominadas redes sociais sem que haja prévio aviso aos atingidos e sem que seja observado o devido processo legal, garantidos os direitos ao contraditório e à ampla defesa”. Por fim, a ação pede que a norma a ser editada preveja uma notificação prévia ao responsável pelo conteúdo e sanções às empresas que não observarem tal norma. O ministro Alexandre Moraes negou seguimento ao mandado no dia 22 de Agosto, argumentando “que o impetrante deixa de demonstrar a titularidade de direito constitucional ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania ou à cidadania, cujo exercício esteja sendo inviabilizado em virtude de ausência de norma regulamentadora”.
Em agosto, novamente a empresa anunciou a remoção de outros 74 grupos, 57 contas e 5 páginas por violarem a política de identidade real e spam. De acordo com o anúncio, a rede permitia e encorajava “a obtenção de seguidores e curtidas, e até a troca de Páginas, com o objetivo de falsamente ampliar o engajamento em busca de ganho financeiro”. No dia 27 o Ministério Público Federal em Goiás entrou com uma representação na Procuradoria Geral da República em desfavor do Facebook, WhatsApp, Twitter e Youtube acusando as plataformas de “graves violações do direito humano à comunicação, especialmente contra a liberdade de manifestação de pensamento, expressão intelectual, artística, científica e de informação de brasileiros usuários da rede mundial internet”. A representação argumenta que as plataformas estariam “prejudicando a regularidade do processo político-eleitoral em curso no Brasil, contra a ordem soberana nacional, a cidadania brasileira, o pluralismo político, fundamentos do Estado Democrático de Direito, ao teor do artigo 1º, caput e incisos I, II e V, da Constituição da República”.
Assentando sua argumentação na liberdade de expressão e manifestação do pensamento e no direito humano à comunicação, a representação acusa as plataformas de estarem “impondo censura, bloqueios de acesso, banindo de usuários brasileiros, por motivações discriminatórias, o que caracteriza grave violação ao ordenamento jurídico brasileiro”. Ainda segundo o documento o argumento de combate à “supostas fake news” resultara na “imposição de restrição de alcance orgânico, censura, bloqueio de acesso e banimento de usuários, numa verdadeira espiral de silêncio (…) que ofendem intensamente a Constituição Federal e a legislação brasileira”. Valendo-se da neutralidade da rede (art.19 do Marco Civil da Internet), o MPF cita a não responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros para argumentar que ela “proíbe que os provedores de aplicações realizem diretamente controle relativamente ao conteúdo publicado por terceiros, à medida que condiciona a sua indisponibilidade ao cumprimento de ordem judicial específica”. A lembrança da defesa da neutralidade da rede é importante, pois é ela que garante que o poder econômico ou interesse comercial se sobreponha à liberdade de expressão e à busca da informação.
No dia 22 de agosto, após o início da campanha eleitoral, foi anunciada a remoção de mais páginas e grupos caracterizados como de “comportamento inautêntico e coordenado” do Facebook e Instagram, desta vez em uma ação de impacto global não relacionada diretamente com o contexto brasileiro. Segundo o anúncio, as atividades tinham origem na Rússia e Irã e miravam usuários no Oriente Médio, América Latina, Reino Unido e Estados Unidos. Em setembro, a empresa anunciou novas medidas para proteger as eleições, que incluíam a remoção de perfis falsos, páginas redirecionadas destinadas a assuntos diversos que foram redirecionadas para uso político, aplicativos que estimulavam o “voto virtual” e “santinhos digitais” com números falsos de candidatos que concorriam às eleições.
Novas contas e páginas foram removidas na semana anterior ao segundo turno das eleições. A ação, anunciada no dia 22 de outubro, envolveu 68 páginas e 43 perfis que, segundo o Facebook, violavam suas políticas de identidade real e spam. No texto, a empresa afirmou que tem observado “spammers usando cada vez mais conteúdo sensacionalista político – em todos os espectros ideológicos – para construir uma audiência e direcionar tráfego para seus sites fora do Facebook, ganhando dinheiro cada vez que uma pessoa visita esses sites”.
A ausência de transparência, do devido processo legal e de um mecanismo de controle participativo e plural tornam os bloqueios e retiradas de conteúdos potencialmente danosos à liberdade de expressão. Em consequência disso, as plataformas provedoras de serviços acabam sendo constantes alvos de crítica vindas de todos os pontos do espectro político e de organizações de defesa dos direitos humanos, que vêm argumentando pela adoção dos padrões e recomendações internacionais como baliza para suas políticas de conteúdo seus termos de serviços. O relatório “#Fake News: innocuous or intolerable?”, fruto de um encontro promovido pela agencia Britânica Wilton Park aponta que para além do combate ao incentivo econômico à desinformação, há a questão da “falta de transparência acerca de como as plataformas tecnológicas trabalham”, como por exemplo o conhecimento sobre a decisão de seus algoritmos.
O Twitter anunciou em agosto as ações relacionadas às eleições no Brasil. Elas incluíram a verificação de contas de candidatos e partidos, a criação de um canal exclusivo para o diálogo com autoridades eleitorais, o apoio a campanhas informativas da Justiça Eleitoral e a iniciativas de educação digital promovidas por outras entidades e a melhoria de sua tecnologia de combate ao spam e a robôs “maliciosos”. A empresa já vinha anunciando medidas nessa área, incluindo a redução da visibilidade de perfis suspeitos automação maliciosa – que passam por um teste como a inserção de um número de telefone para voltarem a operar normalmente –, mudanças no cadastro de novos usuários, auditorias em contas existentes e o uso de inteligência artificial para a detecção do que denominam “comportamentos mal-intencionados”. A plataforma não permitiu a promoção de propaganda política durante as eleições.
O Google anunciou poucas medidas voltadas especificamente para o período eleitoral. As principais foram o apoio ao Projeto Comprova e o pacote de ferramentas Voto Informado, que incluiu um site especial que concentrava informações sobre cada candidato ou candidata e a disponibilização de “painéis do conhecimento” nas buscas, com um resumo das informações dos candidatos. A empresa estabeleceu ainda uma parceria com o TSE para disponibilizar informações confiáveis sobre o processo de votação.
A ação mais importante anunciada pelo Google em resposta aos debates sobre desinformação foi a revisão de seus algoritmos para “colocar mais ênfase em resultados confiáveis no lugar de fatores como novidade ou relevância”, que ocorreu ainda em 2017 e até março deste ano continuava disponível apenas nos Estados Unidos (A empresa anunciou ainda a promoção de iniciativas de pesquisa e checagem e de formação para a mídia como estratégias de combate à desinformação e o Brasil é citado como um dos países onde o Google realiza esse tipo de formação). Ainda no ano passado, a empresa tinha lançado um sistema de “selos” para identificar notícias verificadas por agências de checagem e ofereceu um curso sobre checagem no Brasil.
Em uma iniciativa mais ampla voltada para a produção jornalística, também foram lançadas medidas focadas na distribuição de notícias no YouTube que buscam contextualizar as informações dentro da plataforma. Sem fazer uma relação direta com a possibilidade de compra de anúncios durante a campanha eleitoral, o Google disponibilizou novas funcionalidades relacionadas à publicidade, que permitem aos usuários saber por que uma propaganda está sendo exibida.
Ações da imprensa tradicional e agências de checagem
Frente a queda na sua credibilidade (e no caso dos jornais e revistas impressos, do seu mercado) e as preocupações com a desinformação, os veículos de comunicação tradicionais têm buscado reivindicar para si o papel de promotores do jornalismo de qualidade. A questão é controversa e a postura gerou críticas por parte da sociedade civil, uma vez que, por mais que o jornalismo profissional possua técnicas de verificação dos fatos e adote um código de ética que implica em certos cuidados com a divulgação de informações, a imprensa tradicional nunca esteve isenta de erros ou parcialidade.
Ainda assim, nestas eleições, muitos assumiram o papel de checagem das notícias que circulavam pela rede com suas próprias iniciativas. Entre eles estiveram o Estadão Verifica, do grupo Estado, o Fato ou Fake, do conglomerado Globo, e o Folha Informações, do grupo Folha. Utilizando diferentes metodologias, os projetos checaram tanto informações que circulavam em redes sociais, enviadas ou não por leitores, quanto declarações dos candidatos e candidatas às eleições.
Outra novidade entre os esforços dos meios tradicionais por combater a desinformação foi o Projeto Comprova, que reuniu 24 veículos de comunicação num esforço coordenado e colaborativo visando “enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que vemos surgir ao redor do mundo”. O projeto foi idealizado e desenvolvido pelo First Draft – coalizão internacional que atua no combate à desinformação – e o Centro Shorenstein de Mídia, Política e Políticas Públicas da Universidade de Harvard, em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), o Projeto de Jornalismo do Facebook e a Iniciativa de Notícias do Google – que foram responsáveis pelo financiamento da iniciativa.
O foco do Comprova foi a checagem de informações que circularam on-line durante as eleições e não de declarações públicas de políticos, candidatos e candidatas ou outras autoridades. No total foram publicadas 146 checagens de informações disseminadas via redes sociais e aplicativos de mensagens, dessas 92% se mostrou falsa.
Como em eleições anteriores, houve a atuação, ainda, das chamadas agências de checagem. A checagem de informações é parte integrante da prática jornalística desde o século passado. Em alguns casos, as redações de jornais ou revistas tinham uma equipe específica dedicada a essa atividade. Com o avanço dos meios digitais, tornou-se comum a criação de iniciativas exclusivamente dedicadas à checagem. No Brasil, o site E-Farsas, dedicado à verificação de boatos espalhados pela Internet, orgulha-se de dizer que combate notícias falsas desde 2002.
Mais recentemente, popularizaram-se iniciativas de jornalismo investigativo dedicadas à verificação da veracidade das declarações de figuras públicas, inclusive em períodos eleitorais. No Brasil, agências especializadas em checagem de fatos se disseminaram a partir de 2015, com a criação da Lupa e da Aos Fatos. Experiências anteriores ocorreram nas eleições de 2010, com os projetos “Mentirômetro” e Promessômetro da Folha de S. Paulo e 2014, com os projetos “Preto no Branco”, do jornal O Globo, e “Truco”, da Agência Pública, que atua desde então, tendo também verificado discursos públicos nas eleições de 2016 e 2018.
As agências de checagem se tornaram mais centrais nas eleições deste ano por conta dos escândalos relacionados à disseminação de notícias falsas no processo eleitoral estadunidense em 2016. Com isso, assumiram também a missão de verificar conteúdos que circulavam pela Internet. A parceria com grandes plataformas de mídias sociais, como Google e Facebook, as colocou no centro das atenções e polêmicas, uma vez que suas análises poderiam determinar a visibilidade ou não de uma notícia on-line.
Episódios de equívocos nas checagens no período pré-eleitoral contribuíram para o aumento das críticas ao papel dessas agências em definir o que seria ou não verdadeiro. Um exemplo foi o caso do envio de um terço do Papa Francisco para o ex-presidente Lula. A notícia, que já estava sendo amplamente compartilhada nas redes, foi classificada como falsa por duas agências de checagem com base em notícias oficiais publicadas pelo Vaticano. No entanto, no dia seguinte à verificação, novos fatos revelados pelo Vaticano e pessoas envolvidas no episódio evidenciaram que a situação não era tão exata quanto parecia e uma das agências retificou a informação publicada anteriormente. O problema é que por conta da checagem inicial, as notícias sobre o fato teve sua visibilidade reduzida no Facebook e as pessoas que as compartilharam foram notificados de que o conteúdo era falso, comprometendo a credibilidade dos veículos que a publicaram.
1Segundo documentou o jornal O Estado de S. Paulo, as atas das reuniões do Conselho Consultivo foram classificadas como “reservadas” e não foram disponibilizadas para acesso via Lei de Acesso à Informação. Ver <https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/tse-coloca-sigilo-em-atas-de-reunioes-sobre-fake-news-e-eleicoes/>. Acesso em nov. 2018.