Há tempos a distribuição dos chamados hoaxes – ou boatos – preocupa especialistas em segurança da informação e, inclusive, autoridades policiais. Eles acompanham o desenvolvimento da Internet e são distribuídos na forma de correntes ou spam via e-mail, por meio de aplicativos de mensagens ou redes sociais. Esse tipo de conteúdo geralmente visa persuadir o destinatário a clicar em links que instalam códigos maliciosos em sua máquina e a repassar a mensagem para terceiros que também serão afetados. Exemplos de mensagens desse tipo vão desde promoções e promessas de benefícios diversas à imitação de fontes oficiais legítimas – como bancos ou órgãos governamentais – buscando obter informações pessoais, como e-mail, telefone, senhas e outros dados.
Num contexto de popularização das mídias digitais, a desinformação adquiriu uma nova escala e passou a afetar não só os indivíduos – como no caso dos vírus espalhados por meio de boatos espalhados por correntes –, mas a sociedade como um todo, tendo um impacto na formação da opinião pública. E não foi só por facilitar a disseminação de conteúdos para grandes públicos ao redor do mundo que a Internet contribuiu com o avanço da desinformação.
Em 2015, o laboratório Citizen Lab, da Universidade de Toronto, desvendou um esquema organizado de distribuição de códigos maliciosos, desinformação e roubo de informações pessoais que afetava figuras políticas de alto nível e jornalistas em diversos países da América Latina. A pesquisa não conseguiu identificar os responsáveis por detrás desses ataques, mas observou que o grupo atuava na Argentina, Brasil, Equador e Venezuela, pelo menos, desde 2008. Segundo a apuração, a criação de sites e páginas falsas em redes sociais de grupos ou meios de oposição era utilizada como instrumento para a distribuição de códigos maliciosos (malware) e para o roubo de informações.
Entre as vítimas estiveram o procurador federal argentino Alberto Nisman, cujo celular continha um arquivo que permitia o acesso de terceiros a seu e-mail, câmera, entre outros, o jornalista argentino Jorge Lanata e Máximo Kirchner, filho da então presidente da Argentina Cristina Kirchner. Nisman, responsável pela investigação do atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) foi encontrado morto em sua casa em janeiro de 2015. O grupo não conseguiu confirmar se Kirchner de fato foi vítima do mesmo ataque. No Equador, os ataques atingiram jornalistas de alto nível trabalhando em temas nacionais e regionais, organizações da sociedade civil, ativistas e políticos atuando em temas de liberdade de expressão e meio ambiente e membros do Parlamento.
Como no mundo off-line, a receita dos meios digitais comerciais se dá pela publicidade, que é mais valiosa na medida em que atinge mais precisamente um maior público. A audiência, porém, neste caso é medida pela quantidade de acessos a uma determinada página ou visualizações de um conteúdo. Num ambiente em que a informação é potencialmente infinita e a atenção tem de ser disputada, há um incentivo indireto à utilização de técnicas que visem atrair o maior número de cliques possível independente da qualidade dos conteúdos e que incluem o uso de imagens e títulos apelativos.
Essas técnicas são válidas tanto para o jornalismo, quanto para a publicidade – inclusive política. A manipulação da informação em redes sociais e a espionagem de oponentes por meio da instalação de códigos que monitoram suas atividades na Internet como método de campanha política ocorre desde meados dos anos 2000, segundo o colombiano Andrés Sepúlveda.
Em 2005, ele recebeu 15 mil dólares para roubar uma base de contatos do oponente do candidato Álvaro Uribe, na Colômbia, e enviar e-mails com informações falsas. Esse foi seu primeiro trabalho hacker político e mais detalhes sobre sua atuação em diversas campanhas eleitorais na América Latina podem ser encontradas em entrevista que ele deu à revista Bloomberg em 2016. Suas técnicas foram se aprimorando com o tempo e envolviam o controle automatizado de inúmeros perfis falsos em redes sociais. Ele conta que seus objetivos com a manipulação de informação em redes sociais eram “gerar desordem nas outras campanhas, sabotar outras ações, fortalecer o que se estava fazendo na campanha, invisibilizar os oponentes e, acima de tudo, desinformar”.
Sepúlveda participou também da campanha que levou o então candidato, Enrique Peña Nieto, à presidência do México em 2012 e suas atividades incluíam desde a falsificação e clonagem de páginas de Internet e a criação de rumores, até a interceptação de telefones. Capturado em 2014, em 2015 ele foi condenado a dez anos de prisão por uma série de delitos informáticos, incluindo a invasão de computadores e o roubo de dados pessoais. A condenação veio pouco antes das eleições nos Estados Unidos em que o termo “fake news” ia se popularizar nas falas do futuro presidente Donald Trump. A revista Bloomberg denunciou que a campanha de Donald Trump teria tentado contratar o venezuelano Juan José Rendón – principal empregador de Sepúlveda em seus anos de atividade –, mas ele teria se negado a cooperar com o então candidato à presidência. O caso foi detalhado pela revista Fortune. Apesar de ter feito manifestações críticas ao então candidato Trump na época das eleições, Rendón parece ter tentando se aproximar dele quando eleito presidente dos Estados Unidos, segundo o jornal Washington Post.