É impossível precisar quais foram as técnicas e ferramentas utilizadas pela campanha vencedora para explorar de maneira tão eficiente a disseminação de conteúdo – informação e desinformação – via WhatsApp mas, a partir das experiências com as quais foi possível abrir contato, é fácil concluir que apenas uma grande máquina de disparos, por maior que seja, montada exclusivamente para a campanha, não seria suficiente para atingir essa efetividade.
O envio em massa de conteúdo, além de muito custoso, só se torna extremamente eficiente quando utilizado em conjunto com outras táticas de distribuição, como a construção de várias redes de transmissão de conteúdo, e com suporte de monitoramento.
Pelos argumentos e evidências apontados, há evidências de que, por mais que houvesse uma estrutura centralizada de produção de informação e desinformação, apoiada em uma rede de sites, blogs e perfis em redes sociais, a disseminação de tais conteúdos no WhatsApp de ter acontecido fortemente de maneira centralizada e descentralizada, com algumas iniciativas valendo-se de técnicas de disparo em massa, mas também com a participação de milhares de militantes orgânicos – auxiliando na transmissão segmentada de conteúdo de grupo em grupo, na moderação e monitoramento e nos contatos com os grupos “vivos”.
Nas críticas e análises publicadas sobre a atuação da campanha vencedora no WhatsApp é comum a ênfase ao uso de automação do envio e de “robôs”, o que de fato já se comprovou. No entanto, pouca ênfase é dada ao processo de construção de uma rede de transmissão e monitoramento que, provavelmente, levou anos para ser montada – o que não significa que foi montada propositalmente, mas estruturada a partir das relações sociais cotidianas de grupos conservadores.
Os relatos de quem participou de grupos de apoiadores do Bolsonaro durante a campanha, como Viktor Chagas, do CoLAB1, grupo de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), indicam que, apesar de se multiplicarem aos milhares, tais grupos eram sempre moderados de perto. Havia sempre a presença de perfis fazendo a publicação automática de conteúdo, mas com frequência havia interferência e cuidado dos moderadores de entrar em contato com participantes, por meio de mensagem particular, para engajá-los ou expor infiltrados.
Há também relatos de técnicas para implodir grupos quando seu funcionamento foi exposto. Um dos membros do Ativistas com Haddad que acompanhou um grupo de WhatsApp de mulheres evangélicas que discutiam política, relatou que quando as participantes perceberam que um dos números participantes tinha um comportamento suspeito – parecia ser um “robô” – e tal suspeita foi comprovada, enquanto comentavam o fato, o grupo foi inundado de mensagens ofensivas e pornográficas, forçando todas a sair.
As ferramentas de automação e disparo em massa, caras, aparentemente podem servir como apoio ferramental a uma militância grande e engajada. Mas ao que tudo indica é preciso ter uma rede bem articulada e engajada para que a estratégia de disseminação, monitoramento e conversão de opinião de fato aconteça.
Assim, diante de tais análises e dos desafios colocados aos que, de forma partidária ou não, pretendem se engajar na constituição e consolidação de um Estado democrático de direitos no Brasil, é preciso angariar esforços em um trabalho de base para que o fluxo de distribuição de conteúdo com este apelo aconteça. Redes de distribuição de conteúdo continuam extremamente relevantes na era digital e é hora de superar a ideia de que a Internet e as redes sociais (as movidas por algorítmos, ao menos) podem garantir visibilidade às diversas opiniões políticas. O que temos é a capacidade de falar, não de sermos ouvidos.
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