O surgimento e crescente popularização das redes sociais transformaram o modo pelo qual as pessoas se envolvem com a política e é possível se notar uma penetração maior destas discussões nos debates públicos para além dos períodos eleitorais. Num país com 130 milhões de usuários do Facebook e 120 milhões de usuários do WhatsApp, a televisão e o rádio, que constituíam a fonte de informações prioritária – quando não exclusiva – para grande parte das pessoas, passaram a competir com outras fontes de notícias compartilhadas via Internet.

Estudos indicam como as redes sociais se tornaram um meio privilegiado para o consumo e a distribuição de notícias entre a população que dispõe de acesso à Internet. Segundo o Relatório sobre Notícias Digitais do Instituto Reuters de 2018, 90% das pessoas consomem notícias on-line, contra 75% que o fazem por televisão e 24% via jornais e revistas impressos. Especificamente, 66% das pessoas entrevistadas declararam utilizar as redes sociais como fonte de notícias. A pesquisa também observou um crescimento no número de pessoas que dizem utilizar aplicativos de mensagens instantâneas para se informar. No caso do WhatsApp, 48% dos entrevistados já afirmam utilizá-lo para acessar notícias.

Uma das particularidades deste tipo de meio, quando comparado com os grandes veículos de massa predominantes em todo o século passado, é a possibilidade de interação direta e o fato de que consumidores de notícias podem se tornar produtores ou editores, ao selecionar as informações a serem compartilhadas com seu público de amigos e familiares. Além disso, no caso do Facebook, por exemplo, há um estímulo – via algoritmo – ao posicionamento dos usuários-editores sobre os conteúdos compartilhados como forma de gerar visibilidade e engajamento.

O caráter supostamente gratuito dessas plataformas e a flexibilidade dos planos de Internet móvel em comparação com os altos custos de acesso a serviços de telefonia e Internet colaboraram para a grande penetração das redes sociais e aplicativos de mensagens no país. A questão é que o modelo de negócios de muitas dessas plataformas se baseia na autorização de acesso e uso por parte da empresa do fornecimento de dados pessoais que serão amplamente negociados entre diversos agentes para a produção de conhecimento sobre os indivíduos e suas preferências – inclusive políticas.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, de agosto de 2018, busca estabelecer limites para as transações envolvendo dados pessoais, uma vez que eles podem ser utilizados de modo a lesar direitos básicos dos cidadãos, inclusive no campo político. Isso ficou evidente após a denúncia de mau uso dos dados pessoais de usuários do Facebook combinado com seu vazamento deles pela empresa Cambridge Analytica. O caso impulsionou a aprovação da Lei 13.709/2018, que vinha sendo discutida há quase uma década.

Os eventos relacionados a notícias e política no ano de 2016 fizeram com que o dicionário Oxford desse ao termo “pós-verdade” a categoria de “palavra do ano”. O dicionário menciona “um pico na frequência [de seu uso] no contexto do referendo da União Européia no Reino Unido e na eleição presidencial dos Estados Unidos”. Como nos aponta o pesquisador em tecnologia da USP Tiago Soares em artigo para o Le Monde Diplomatique Brasil, no processo eleitoral norte-americano de 2016 “teve curso uma aparentemente inédita intensificação na produção e circulação de desinformação” na qual “o volume de notícias falsas que circulavam na web se espalhava a ponto de embaralhar todo o sistema de notícias” que se tornou “um dos principais eixos da análise e da cobertura política entre 2015 e 2016”.

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O universo dos chamados direitos digitais está imerso nessa questão, já que a arquitetura da Internet e sua gênese descentralizada tem papel fundamental nas operações políticas que promovem os processos de circulação massiva de informação inverídica para fins políticos. Como nos lembra Soares, “[a] crítica à concentração e ao abuso do poder institucional dos meios de comunicação de massa (e da imprensa corporativa em especial) é um traço definidor do ideal encapsulado na internet”, fazendo com que a própria lógica das comunicações ponto a ponto, a descentralização das notícias, o caráter amador e imediato e a movimentação em rede façam da Internet um nó central deste tecido. Assim, como observamos nos Estados Unidos e no Brasil, a viabilidade da aceitação das fake news está ligada a um complexo processo que envolve a mídia tradicional e a diminuição de sua capacidade de ser o ente mediador e legitimador do fatos para a opinião pública, e, por isso, “[a] desorganização informacional acionada pela arquitetura das redes tem como contraponto um sistema de organização da informação igualmente em crise”.

Esta caracterização particular de fake news enquanto pós-verdade aparece como um ataque à liberdade de expressão e ao trabalho jornalístico e artístico. Quando o presidente Donald Trump massifica o termo fake news enquanto crítica à imprensa, ele se junta a uma gênese que se remete aos já mencionados Protocolos dos sábios de Sião: um ecossistema que envolve a deliberada disseminação de inverdades no intuito de direcionar a opinião pública e fortalecer determinada ideologia política. Historicamente, esse ataque vem acompanhado de investidas contra os direitos individuais e coletivos, o opositor político e a dissidência social e de costumes. Ele também inclui o próprio questionamento do conhecimento e do saber, que se reflete em desdém à pesquisa acadêmica, à noção científica e à devida apuração dos fatos, fortalecendo um circuito denso, fechado e contagiante de informações conspiratórias. As fake news, enquanto deslegitimização da imprensa, se remetem à negação da apuração factual e da busca do conhecimento enquanto estratégia política.

O fenômeno das fake news, portanto, ligado à Internet e a revolução digital não aparece como paródia, ironia, desvio ou equívoco, mas como um recurso retórico que remete a uma posição extremista, radical e messiânica que tem na imprensa um alvo central. De maneira similar ao processo ocorrido no Brasil, o desmonte da legitimidade e confiabilidade na grande imprensa (propagada por diversos âmbitos do espectro político e não raras vezes justificada pela ausência de independência e concentração econômica das empresas de mídia) é sintoma central da gênese que encontra no anti-semitismo, anti-comunismo, conspiracionismo, nacionalismo radical, fanatismo religioso e no racismo seu tecido retórico de sustentação. Na esteira da implosão da legitimidade da informação apurada e veiculada pela imprensa, aparece um elemento mais geral de obscurantismo e apelos morais, emocionais e espirituais que muitas vezes se traduzem num sentimento de questionamento dos fatos, do trabalho científico e da apuração de evidências.