Se por um lado, o cenário da descentralização do digital propicia uma permeabilidade maior das discussões políticas, para além dos períodos eleitorais entre as pessoas com acesso à Internet, por outro, ele gera reações de setores interessados no silenciamento e invisibilização de qualquer tipo de crítica ou denúncia. Levantamentos da Artigo 19 indicam que a proporção de blogueiros assassinados tem aumentado nos últimos anos em relação à proporção de jornalistas. As motivações para os crimes são políticas e o objetivo principal das execuções é eliminar fisicamente pessoas consideradas inconvenientes pela ação investigativa que realizam ou pelas críticas que desestabilizam relações locais de poder. Entre os principais alvos da crítica desses comunicadores estão políticos, autoridades públicas, empresários e criminosos que atuam em nível municipal ou regional e são eles os principais suspeitos de autoria intelectual dessas violências.
Ao mesmo tempo, na medida em que aumenta o uso da Internet como fonte de informações, observa-se uma preocupação maior com relação à regulação do discurso on-line nos mais diversos âmbitos. Apesar do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) ter incluído uma série de garantias à liberdade de expressão on-line, ele não foi capaz de pacificar um entendimento sobre o tema e há atualmente inúmeros projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que buscam restringir discursos, criar ou aumentar mecanismos de punição para supostas violações. Podem ser mencionados como particularmente preocupantes:
• Projetos que buscam introduzir o denominado “direito ao esquecimento” no país e obrigar provedores a, caso solicitados, remover conteúdos sobre o requerente considerados sem “interesse público atual”, “dados irrelevantes ou defasados” ou informações que não se refiram a “fatos genuinamente históricos” (como por exemplo os PLs 7881/2014, 2712/2015, 1676/2015 e 8443/2017);
• Projetos que buscam obrigar a identificação dos responsáveis por quaisquer sites na Internet (inclusive blogs ou páginas em redes sociais) com a publicação de dados como endereço completo ou CPF, sob pena de suspensão e multas (como os PLs 7224/2017, 7945/2017 e 8043/2017);
• Projetos que tentam obrigar a identificação de qualquer usuário de Internet por meio de cadastro obrigatório (como os PLs 2390/2015 e 7918/2017);
• Projetos que pretendem aumentar as penas para crimes contra a honra cometidos via Internet (como os PLs 4148/2015, 1547/2015 e 1589/2015);
• Projetos que visam garantir a retirada de conteúdos de blogs, independentemente da indicação da URL específica do conteúdo a ser removido na ordem judicial (como o PL 8221/2017).
• Projetos que se utilizam de argumentos relacionados à segurança pública para inserir mecanismos técnicos de controle, bloqueio, vigilância ou penalização pela troca de informações. (PL 10372/2018).
O objetivo explícito ou implícito de muitos desses e outros projetos (como o PL 6928/2017) é coibir ataques contra a dignidade humana, a honra e a imagem por meio da Internet, inclusive criminalmente. As propostas de aumento das penas para crimes contra a honra vão na contramão dos principais debates internacionais sobre o tema e agravam o atraso histórico da legislação brasileira. Chamam atenção também as menções explícitas a blogs e páginas em redes sociais quando se trata da identificação de usuários e da retirada de conteúdos, considerando o cenário de perseguição a esses comunicadores observado nos últimos anos.
Um caso particularmente emblemático envolvendo o uso da legislação de crimes contra a honra para a restrição da liberdade de expressão é o do jornalista sergipano Cristian Góes. Ele teve que cumprir pena criminal por oito meses, com serviços comunitários, após ser condenado pela publicação de uma crônica chamada “Eu, o coronel em mim”, publicada em 2012, em que criticava práticas coronelistas no Nordeste.
Apesar de se tratar de um texto fictício em que não eram citados nomes, Góes foi processado por injúria pelo desembargador do Tribunal de Justiça de Sergipe, Edson Ulisses, que entendeu que a crítica se dirigia a ele. Ulisses solicitou ainda indenização por danos morais na esfera cível e obteve decisão favorável pela qual o jornalista foi condenado ao pagamento de R$ 54.221,97, além de honorários advocatícios. No total, ele terá que arcar com um total de R$ 66.000,00.
Caso aprovados os projetos que propõem punições mais duras para crimes contra a honra, esses casos podem se multiplicar. Para além das punições individuais a comunicadores e comunicadoras como Cristian Góes, esse tipo de situação incentiva a autocensura por parte de pessoas desejam se manifestar de forma legítima na rede, mas não o fazem temendo retaliações.
Cabe ressaltar que muitos dos projetos mencionados não observam os princípios internacionais relativos às restrições legítimas à liberdade de expressão. Particularmente, no que diz respeito à criminalização das ofensas à honra, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recomenda que a proteção da reputação deveria ser limitada a sanções civis e que a criminalização da ofensa à honra, principalmente envolvendo agentes públicos ou temas de interesse público, contraria o Pacto de San José da Costa Rica (art. 13).